Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Os juros e o câmbio por CELSO MING

ESTADÃO

Durante um bom tempo, os exportadores reclamaram de que o câmbio em queda (baixa do dólar em relação ao real) era fruto da passividade do Banco Central que se limitava a espiar e a repetir que "o câmbio flutuante flutua".

Pois o Banco Central passou a comprar e comprar moeda estrangeira. Em 2005 aumentou as reservas em perto de US$ 30 bilhões. Além disso, despejou no mercado swaps cambiais reversos cujo efeito deveria ser a recuperação das cotações. E continua nesse jogo 2006 adentro. O máximo que tem conseguido é evitar que o dólar afunde ainda mais.

Essa decepção mudou o alvo dos exportadores e de alguns analistas. Agora insistem em que o principal culpado pelo achatamento das cotações são os juros elevados, que estariam atraindo capitais especulativos: endividam-se lá fora em dólares a juros de 7% ao ano e vêm se locupletar aqui com juros a 18%.

O professor Luiz Guilherme Schymura de Oliveira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e editor da Carta do Ibre, critica os economistas que se apegam rigidamente à teoria. Para ele, não se pode descartar o principal fator da valorização do real no momento, que é o excelente desempenho das exportações.

Ele diz que "não se nota nenhum movimento avassalador de entrada de capitais nas aplicações de renda fixa". Para ele, a enxurrada de dólares que valoriza o real tem a ver com a duplicação das exportações em três anos. E ele conclui: "Ao contrário do que os mercadores de esperança vêm alardeando, a queda real da Selic (juros básicos) não significa automaticamente que a taxa de câmbio vai se desvalorizar e voltar para aquele patamar ideal, seja de R$ 2,50, R$ 2,70, R$ 3,00 ou até mais."

Para Schymura, a reativação da atividade produtiva (aumento do PIB) pode ser mais eficiente em parar (ou inverter) o mergulho do dólar do que a queda dos juros. Mais produção, argumenta, provocará aumento das importações e ajuste das cotações do dólar. O problema é que, até agora, o maior bloqueador da atividade produtiva foram os juros lá em cima.

Longe de limitar-se a discussões bizantinas, essa questão tem implicações práticas que envolvem bilhões. No ano passado, por exemplo, um banco bastante ativo em câmbio perdeu muito dinheiro porque foi na conversa de um ilustre consultor e apostou na recuperação do dólar no câmbio interno.

Se a baixa esperada dos juros não for suficiente para inverter a rota do câmbio, será preciso fazer algo mais para evitar a excessiva valorização do real.

O Banco Central enfrenta limitações fiscais (disponibilidade de recursos) para compra de dólares e mais cedo ou mais tarde poderia decidir que é melhor parar de comprar e, assim, os exportadores seriam abandonados à própria sorte.

Embora reconheça que câmbio seja um tema complicado, a professora Eliana Cardoso, também da FGV, refuta Schymura: "É falsa a simplificação que reduz o câmbio aos fluxos do balanço de pagamentos."

Ela reconhece que a economia vive um choque positivo (grande entrada de dólares), mas adverte que esta não é uma situação sustentável no longo prazo. E arremata em direção contrária: "Como muitos elementos vão desempenhar um papel na determinação do câmbio em 2006, ainda não é possível dizer em que direção vai se mover. Mas tudo o mais constante, reza a ortodoxia, uma redução dos juros reduz a demanda por ativos denominados em reais e, portanto, contribui para a desvalorização da moeda local. Como tudo o mais nunca é constante, quem ignora a teoria pode criar a maior confusão."

Esse debate vai pegar fogo pelo menos por uma razão: porque ainda há muito dinheiro envolvido nisso.

ming@estado.com.br

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