FOLHA
Por várias vezes nesta coluna tenho criticado a forma como o Banco Central e a Secretaria do Tesouro vêm administrando a dívida pública interna nos últimos dois anos. "A ânsia de eliminar a qualquer custo a correção cambial dos títulos emitidos em reais", dizia eu, "vai provocar um custo adicional desnecessário para o Tesouro, e por conseqüência, para todos nós, brasileiros."
A redução da parcela da dívida mobiliária interna indexada à variação da cotação do dólar, herdada da crise de confiança que atingiu nossa economia entre 2002 e 2003, era uma medida sensata naquele momento. Mas o compromisso formal posterior, sem qualificações, de zerar essa parcela da dívida, no momento em que ficava clara a melhora de nossas condições de solvência externa, era um ato de fundamentalismo ortodoxo. E, como todo ato de fundamentalismo, era uma decisão insensata e que traria problemas no futuro.
O Banco Central tem combatido a tendência de apreciação cambial por meio da colocação dos chamados "swaps" cambiais. Mas há um exagero nessa ação. Pode-se até argumentar que havia sentido em converter para reais o pequeno saldo remanescente de dívida interna de curto prazo referenciada ao dólar, na medida em que se reduziria a sensibilidade do valor da dívida mobiliária à taxa de câmbio. No entanto, não foi uma medida acertada trocar para reais a indexação das dívidas de longo prazo dolarizadas, as chamadas NTN D, NTN I e NTN A, como foi feito nas últimas semanas.
Mas parece que o Banco Central está disposto a ir até além disso. O volume dos chamados "swaps" cambiais na última quinta-feira praticamente igualou-se ao da dívida mobiliária interna indexada ao dólar, inclusive a parcela de longo prazo. E o Banco Central já mandou dizer que pode continuar a emitir tais "swaps". Quem clamava por mais racionalidade e menos preconceito na questão da indexação ao dólar não poderia imaginar que essa marcha da insensatez chegaria a ponto de trocar também a dívida externa por indexação à taxa Selic.
Felizmente apareceu a primeira cobrança pública sobre os custos desses procedimentos. Até agora as críticas a essa política do governo vinham apenas sendo sussurradas entre alguns participantes do mercado financeiro. Mas o jornal "Valor" da última quinta-feira traz uma reportagem esclarecedora sobre essa questão. Sugiro a leitura cuidadosa e uma reflexão sobre o assunto.
Tivesse o Banco Central mantido inalterada a composição dos títulos existentes no início de 2003, hoje a dívida pública no Brasil seria de 47% do PIB, e não 51% como está contabilizado no fim de 2005. Mas aqui é preciso que seja feita a qualificação que fiz no início desta coluna. A proporção dos títulos indexados ao dólar no início do governo Lula era elevada demais dentro de uma gestão não especulativa da dívida mobiliária. Sua redução, mesmo ao custo de um aumento nos juros pagos pelo Tesouro, foi uma decisão correta do ponto de vista técnico. Portanto o custo de 4% do PIB associado à ação do BC também não é correto, pois superdimensiona essa perda.
Contudo, se o Banco Central tivesse se guiado pelo equilíbrio e pela sensatez, ou seja, resgatasse a dívida de curto prazo, mas mantivesse a referência ao dólar dos títulos de longo prazo, a relação dívida sobre PIB teria terminado o ano por volta de 49%. Com uma situação cambial mais tranqüila, era absolutamente correto manter essa parcela da dívida indexada ao dólar. Haveria um perfeito casamento entre um passivo indexado à taxa de câmbio e um ativo representado por aplicações em dólares no exterior.
Mas passar a trocar o indexador da dívida externa, em dólares, pela taxa Selic é uma política irresponsável e que deve ser repudiada por todos nós. Não faz sentido econômico e financeiro. O que sabemos estar motivando esse caminho desesperado é a tentativa do governo de evitar que a taxa de câmbio se valorize ainda mais em decorrência dos juros excessivamente altos.
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