Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 03, 2006

Mudança de padrão (1) CELSO MING

ESTADÃO

Tudo se passa como se estivesse em curso uma substancial mudança nos padrões de comportamento da economia brasileira.

É impressionante o avanço das exportações. E isso está mudando muita coisa: derruba as cotações do dólar; provoca reviravolta nas avaliações do risco País; ajuda a controlar a inflação; e reduz a vulnerabilidade externa, que tanta crise provocou nos últimos 30 anos.

Isso tem a ver com desenvolvimento da China, que não está sozinha nisso. Vêm juntos Índia, Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia, Malásia e Vietnã.

Enquanto despeja produtos manufaturados baratos no comércio mundial, um pedaço enorme da Ásia importa matérias-primas, alimentos e produtos industrializados do Brasil. O que explica algumas coisas.

Os atuais padrões de análise do desenvolvimento econômico brasileiro foram traçados ao longo do século 20, quando os Estados Unidos se consolidaram como potência econômica. Para assegurar seu crescimento, aquele país não precisou atirar-se à importação de matérias-primas porque era então quase auto-suficiente em minérios, alimentos, produtos químicos, aço, madeiras e petróleo. A periferia (e, no meio dela, o Brasil) ficou de fora desse processo.

A diferença entre o salto americano e o salto asiático é a de que há poucas matérias-primas na Ásia. Esses países são, também, altamente dependentes de importação de energia. É natural que a divisão internacional do trabalho que sairá desse desenho reserve nova função para o desenvolvimento brasileiro.

Enfim, a Ásia está mudando o jogo econômico. Vai provocando um realinhamento cambial, à medida que o déficit em conta corrente (déficit externo) dos Estados Unidos se acentua. Interfere na política monetária (política dos juros) dos gigantes internacionais (Estados Unidos, União Européia e Japão), na medida em que os juros de longo prazo sofrem forte interferência do aumento da procura de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que vão compor as reservas asiáticas. Tem realocado volumes enormes de capital e atraído a manufatura até agora concentrada nos países ricos.

Como o produto asiático chega mais barato a qualquer porto do mundo, o comércio mundial passa por enormes transformações e achatam-se os salários do mundo rico. Difícil saber que segmento de política econômica dos países centrais a China não está influenciando.

A economia brasileira está sob forte impacto. No entanto, empresários, economistas, consultores e analistas seguem a economia brasileira pelos padrões antigos. E quebram a cara, porque nem o câmbio, nem o comércio exterior, nem os juros, nem o mercado financeiro se comportam como antes.

O Banco Central compra e compra dólares, mas a cotação do câmbio segue achatada. Crises profundas, como as deste ano, não conseguem mais provocar fuga de capitais. As exportações crescem 23% ao ano enquanto a produção industrial marca passo abaixo dos 3%. Sabemos como projeções desmoralizam os que se metem a visionários, mas nada impede que se faça um exercício matemático.

Se o PIB brasileiro, hoje avaliado em US$ 750 bilhões, continuasse crescendo a 3% ao ano e se as exportações, que neste ano ultrapassarão os US$ 118 bilhões, continuarem avançando à proporção de 20% ao ano, em cinco anos (final de mandato do próximo governo), terão chegado aos US$ 290 bilhões e saltado dos atuais 15,7% do PIB para algo em torno dos 33% do PIB.

Mesmo que a realidade, sempre mais cruel, se comporte diferentemente, não dá para ignorar essa nova dinâmica sobre o sistema produtivo brasileiro e sobre o comportamento da política econômica.

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