Apesar dos avanços da medicina e da crescente sofisticação da tecnologia de diagnóstico, a meizinha continua em moda.
O termo me veio à mente neste início de ano eleitoral. Surgiram idéias miraculosas para resolver a doença do baixo crescimento da economia. A "meizinha" sugerida é mudar a política econômica. Basta isso. Aqui e acolá as reformas microeconômicas e medidas para reduzir o gasto são lembradas, mas o remédio para valer é baixar os juros.
Tudo seria uma questão de perícia. Para baixar a Selic a menos de 10% ao ano bastaria substituir os títulos a ela atrelados. O mercado não conta. Os atuais detentores dos títulos aceitariam trocá-los por outros sem nada exigir. Na verdade, o custo da mudança seria muito maior do que se pensa, o que terminaria contribuindo para elevar e não para reduzir os juros. Cairia o prazo dos títulos.
Até José Serra, conhecido pelo preparo em Economia, saiu-se com a idéia de uma Lei de Responsabilidade Cambial, o que não tem qualquer significado, menos ainda no regime de câmbio flutuante. Felizmente, ao notar de imediato a patacoada, Serra negou que estivesse propondo uma lei formal nesse sentido.
A "meizinha" tem sua dose de teoria conspiratória. Os juros seriam altos porque os diretores do BC vêm da PUC-Rio e não teriam notado as mudanças do Brasil. Por isso dirigem mal a política monetária e inibem o salto que já é possível no crescimento.
Houve quem afirmasse que nos EUA os diretores do Federal Reserve não podem ser da mesma universidade. Quem conhece o mínimo do assunto rirá dessa tolice, mas a incrível teoria pode ser confirmada, pois esses diretores freqüentaram mesmo diferentes universidades. Na verdade, isso comprova outra coisa: a diversidade de fontes para recrutá-los. Das 20 melhores universidades do mundo, 18 são americanas.
Embora nos últimos anos grande parte dos diretores do BC tenha vindo da PUC-Rio, seus doutorados foram conquistados nas mesmas escolas freqüentadas pelos diretores do Federal Reserve. Ou seja, também aqui eles vêm de distintas universidades. O que essa situação comprova é também outra coisa. Tal qual o MIT americano, a escola de Economia da PUC-Rio privilegiou pesquisas relacionadas com a política econômica, aqui centradas em propostas para vencer o processo inflacionário e promover o desenvolvimento econômico e social. Não é à toa que as idéias dos planos de estabilização, que culminaram no Real, tenham nascido basicamente por lá.
A corrida presidencial caminha para uma polarização entre Lula e um candidato do PSDB. Duvido que qualquer um deles mude a política econômica ou mande o BC baixar os juros. Seria desmoralizar a autoridade monetária na partida do novo governo, o que poderia ser desastroso. Como mostra a literatura e exemplos como o de Paul Vocker no Federal Reserve no início dos anos 1980, a credibilidade do banco central é crucial para vencer processos inflacionários e para preservar a estabilidade monetária.
A taxa Selic vai cair naturalmente. Pode chegar aos 14% no final de 2006, a menos de uma mudança do cenário eleitoral doméstico e de alguma alteração dramática na economia mundial. O próximo governo tem tudo para liderar reformas que nos colocarão rapidamente na trajetória da obtenção do grau de investimento, o que permitirá novas quedas da Selic. O Brasil pode voltar a crescer muito, provavelmente na região dos 5% ao ano. A perícia que se exige é a da mobilização política para viabilizar as reformas e não para mudança voluntarista na taxa de juros.
Não é a política econômica a razão por que o Brasil cresce menos do que outros países emergentes. A causa está nos problemas estruturais: elevada relação dívida pública/PIB, rigidez orçamentária, carga tributária excessiva, legislação trabalhista caduca, excesso de dirigismo no crédito, insegurança jurídica, infra-estrutura deteriorada, etc. Equivalemos a um corpo debilitado e balofo. Tem gente que acredita em uma "meizinha" para resolver.
Bastariam alho, limão, mastruz e mel de abelha para esse corpo ganhar a maratona.