Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 22, 2006

China e Rússia viram debate... ALberto Tamer

OESP

Nunca recebi tantos e-mails (mais de 40 em dois dias) sobre as colunas sobre a Rússia e a China. E não param. Parece que o tema é mais instigante do que as infindáveis CPIs que já dão sono ou a reeleição de Lula. São diretores de empresas, economistas, estudantes, leitores do Brasil e do exterior, via internet, até da China!

Estou respondendo a todos os e-mails, como sempre faço rigorosamente – mesmo os grosseiros como aquele senhor que me mandou mudar para Cuba ou para a China, que afirma adorar o Brasil, mas nunca conviveu, como eu, em palhoças no sertão de Pernambuco, vendo, impotente, crianças desnutridas mas barrigudas de vermes espalhadas pelo chão ressequido, comendo terra. Nunca leu Vidas Secas, do Graciliano.

Mas foram perguntas e observações oportunas revelando que há ainda muitas dúvidas a responder. Esta a razão de mais uma coluna; fico gratificado porque mais de 90% dos leitores compreenderam e concordaram com alguns argumentos. Não citarei nomes, pois não tive tempo de obter autorização, mas resumirei os argumentos a favor ou contra.

COMPARAÇÃO ERRADA

A primeira observação é que errei ao comparar as economias do Brasil e da China. São incomparáveis. Mas não comparei. Ao contrário, deixei claro que aqui há liberdade; lá, não. Aqui há pobreza, não tanto nas cidades,como me alerta – e agradeço – o leitor taiwanês naturalizado brasileiro, H.J.P, como na ruas de Moscou, onde a pobreza era proibida por lei na URSS. Na China, quem protestar é preso e alguns dissidentes são executados; aqui, não.

A diferença é que, após o período desumano de Mao Tsé-tung, e depois de Deng Xiaoping, a China criou uma política consistente de atração de investimentos externos a fim não só de sair do caos econômico, mas criar emprego para os 1,3 bilhão de habitantes. E consciente das conseqüëcias sociais disso.

E VEJAM SÓ...

O ministro do Bureau de Segurança Pública da China, Zhou Yongkang, declarou quinta-feira: "Os distúrbios da ordem pública, a violência da multidão, aumentaram de 6,6% em 2004 para 13% no ano passado. Os protestos públicos, em geral, cresceram 30%."

Causas? Corrupção, fechamento de fábricas improdutivas. E o ministro pede só calma e ordem. No fundo,ele sabe que é o começo do fim.

CHINA APELA AOS "RICOS"

Não, não enlouqueci . Terça-feira, está no resumo diário do Bird, o vice-ministro de Assuntos Civis, Li Liguo, fez um apelo aos milionários (foi essa a palavra usada) chineses para que ajudem o governo na assistência social, no atendimento à saúde do povo, no socorro em casos de desastres naturais! Estão sendo criados tantos milionários chineses, que até planejam criar uma associação de caridade para atender ao apelo do governo!

CHINA DESESTATIZANDO?

E, agora, uma informação surpreendente. O relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a China, de setembro de 2005, informa que a participação porcentual do setor privado no PIB do país é de 57,1%. É o último dado disponível, 2003. Essa participação vem crescendo rapidamente. Em 1998 era de 43%.

Desestatização? Não. Longe disso. No ano passado o setor público ainda representava 42,9%, mas havia recuado dos 57% em 1998. Mesmo assim, a China é e ainda continuará sendo por muito tempo uma economia controlada pelo governo, 34,1% do PIB ante 40,2% em 1998.

RÚSSIA, SEM DISCÓRDIA

Quanto à Rússia, não há quase discordância em nenhum nos e-mails. Todos concordam que as mudanças pacíficas são extraordinárias; um leitor comparou as nossas trapalhadas com as privatizações – lembram-se daquela famosa foto de um manifestante, na porta da Bolsa do Rio, dando um pontapé no traseiro de um empresário que entrava para participar do primeiro leilão de uma estatatal, a Usiminas? O leitor elogia a manobra meio "safada" mas ardilosa do Yeltsin de desfazer-se dos bagulhos das estatais russas.

DEVÍAMOS TER PAGO!

A propósito, lembro-me muito bem de um ministro do Brasil criticado pela privatização das telecomunicações, desabafar: "Deveríamos até ter pago para que ficassem com essa droga". Na época, nada funcionava, tudo era do Estado, mas esse tudo era simplesmente nada! Só se "comprava" uma linha telefônica por US$ 3 mil ou US$ 4 mil em áreas sobrecarregadas ou comerciais, e isso no câmbio negro oficia l (oficializado, legalizado, sim, sim, pois as "cotações" eram até publicadas nos jornais como os preços de carros usados... Hoje, você compra uma e, se quiser, leva duas...

AGORA, ACABOU

Depois da telecomunicação, nada mais. E agora, com essa verdadeira intervenção do governo nas agências reguladoras, cuja regulamentação se arrasta há anos, ninguém vai investir no Brasil. Ao contrário, há alguns, na área de energia, por exemplo, até vendendo sua participação, indo embora, quem sabe, para a China ou a Rússia?

E quando a infra-estrutura se esfrangalhar ainda mais, iremos culpar o capital estrangeiro colonizador que está acendendo, na China e na Rússia, o pavio de uma sociedade aberta de 1,3 bilhão de habitantes.

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