Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Editorial de O Estado de S Paulo

Melhor tarde do que nunca

O único reparo que se pode fazer às novas regras sobre finanças de campanha, anunciadas segunda-feira pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Velloso, é que elas já deviam estar em vigor no tempo em que mensalão era apenas uma forma de pagar imposto - e o PT desfilava em praça pública a sua singularidade ética. Mas, sendo o Brasil oficial o que é, a tranca invariavelmente é colocada depois do arrombamento da porta. Melhor tarde do que nunca, de qualquer forma, a Justiça Eleitoral baixou um conjunto de normas que aumentam perigosamente, para todos os envolvidos, o risco da circulação de "recursos não contabilizados" - conforme o elegante eufemismo notabilizado pela dupla Delúbio e Valério - nas disputas eleitorais.

O ponto alto da iniciativa é a promoção do caixa 2 a crime fiscal, e não só eleitoral como sempre foi. Com isso, abriu-se caminho à participação da Receita Federal na fiscalização das doações, bem como dos gastos de partidos e candidatos, e na punição aos transgressores. Para começar, o dinheiro vivo ficou absolutamente proibido em qualquer etapa das campanhas: doações, saques e pagamentos terão de ser feitos mediante cheque nominal ou transferências eletrônicas. Por incrível que pareça, repita-se, nunca antes se baixou uma medida tão óbvia como essa, graças à qual o doador por fora, cujas contribuições também procedem de caixas 2 empresariais, terá de fazer malabarismos contábeis para investir esses fundos, devidamente lavados, nas candidaturas de sua predileção.

Para os doadores de dinheiro de origem "clandestina" a maracutaia fica ainda mais difícil: pela primeira vez a Justiça Eleitoral poderá auditar, além dos comitês políticos, as empresas suspeitas; até agora, apenas as prestações de contas das campanhas eram auditadas - com a devida demora provocada pelo desaparelhamento dos organismos disso incumbidos. Doravante, a par da ampliação do conjunto de instâncias passíveis de auditoria, esta já não ficará a cargo exclusivo das agências eleitorais: quadros do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Receita também serão mobilizados para tal. A nova regulamentação incorpora ainda a sociedade ao zelo pela observância da lei. Os comitês eleitorais deverão colocar na internet - em área específica no site da Justiça Eleitoral - balancetes quinzenais completos, especificando entradas e saídas.

Tendo acesso a esses dados, qualquer pessoa poderá alertar os órgãos públicos competentes para indícios de irregularidades contábeis em todas as fases do processo. É o que se pode chamar denuncismo no bom sentido. Com certeza aparecerão acusações equivocadas ou de má-fé: é o inevitável preço a pagar pelo aperto dos controles para reduzir a incidência de uma prática arraigada na vida política nacional (e não só nacional, diga-se desde logo), envolvendo somas fabulosas - sem as quais os partidos não poderiam arcar com as faturas milionárias dos seus marqueteiros e pesquisadores. Os números em que se banha, por exemplo, o publicitário Duda Mendonça, que Lula fez questão de ter a seu lado, valem por um tratado sobre o assunto.

Outra boa nova para a assepsia dos costumes políticos brasileiros está no artigo da resolução do TSE que atribui aos candidatos, pessoalmente, a responsabilidade intransferível pela veracidade das informações exigidas sobre doações recebidas e pagamentos efetuados. Isso acaba de vez com o truque de culpar o tesoureiro da campanha pelas maracutaias praticadas. Doravante, os Delúbios deixarão de ser os bodes expiatórios dos crimes eleitorais cometidos em benefício dos candidatos do partido a quaisquer cargos. E estes não poderão alegar que não tinham, digamos, "condições de saber" o que se passava ao seu redor. Comprovado o abastecimento no caixa 2, o político perderá o mandato e poderá passar de 3 a 8 anos na cadeia (atualmente a pena prevista é de 1 a 5 anos).

Do outro lado do balcão, os doadores de campanha terão de registrar os valores e os destinatários nas declarações de Imposto de Renda. Quem não o fizer, ou, fazendo, contar meias-verdades, merecerá as atenções do Fisco, se for apanhado. O que remete ao fator que em última análise dirá se as novas medidas valeram a pena: a certeza da punição dos transgressores. É isso, muito mais do que o tamanho da pena, já ensinava em 1764 o pensador italiano Beccaria, que desestimula a transgressão.

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