Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 19, 2006

DEMÉTRIO MAGNOLI A paz como continuação da guerra

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Ariel Sharon é o último grande remanescente da geração dos fundadores de Israel. A análise convencional diz que o superfalcão, campeão do expansionismo, deslocou-se da direita para o centro do espectro político e, ao romper o Likud e criar o Kadima, estabeleceu um novo paradigma e um programa realista para a paz. Mas a ruptura política que ele promoveu é, na verdade, uma restauração: Sharon deixa como herança uma maioria política que rejeita o diálogo com os palestinos e retoma a tradição sionista de negar a presença de uma nação palestina na Terra Santa.
Numa entrevista recente ao "Haaretz", Shlomo Ben-Ami, que foi ministro do Exterior de Ehud Barak, observou que, "com suas ações unilaterais, Sharon transformou o problema palestino numa disputa banal de fronteira, o que é atraente para a opinião pública". Os colonos que formaram Israel construíram, com desprezo, condescendência ou até empatia, a imagem de uma população árabe nativa constituída por camponeses atrasados. Nos livros didáticos de Israel, os árabes fixaram-se como pastores nômades, carentes de uma relação profunda com a terra. A primeira-ministra Golda Meir (1969-74) afirmou que não existia uma questão palestina, pois não havia uma nação palestina, mas apenas árabes que eventualmente se tornariam cidadãos da Jordânia.
A novidade histórica do acordo de paz de Oslo, de 1993, foi o reconhecimento mútuo dos direitos nacionais de Israel e da Palestina. A implicação era a necessidade de uma negociação entre nações, que abrangia temas mais complexos do que o traçado das fronteiras: o direito ao retorno dos exilados palestinos e a convivência de duas capitais na cidade-símbolo (Jerusalém). Esse princípio persistiu, em meio a crises e explosões de violência, até a infame caminhada de Sharon na Esplanada das Mesquitas, em 2000, que deflagrou a segunda Intifada.
No governo, ao realizar o "desligamento" de Gaza, Sharon rompeu com os radicais do Likud, que nada reconhecem senão um "direito bíblico" à Terra Santa, e organizou um front murado na Cisjordânia, que prefigura uma fronteira definitiva. Na sua visão, os palestinos não são uma nação, mas um estorvo demográfico e uma limitação objetiva à extensão de terras disponíveis para anexação. A estratégia de Sharon culminou com a formação de um novo centro político e com a marginalização, talvez definitiva, do Likud. Seu sucessor, Ehud Olmert, presta continência verbal ao "mapa do caminho", mas emite sinais de que prosseguirá a política da "paz imposta".
A alternativa seria o Partido Trabalhista, renovado com a ascensão de Amir Peretz e a saída de Shimon Peres. Mas essa não é uma esperança realista. Peretz fez carreira como líder da central sindical Histadrut e, embora proclame a intenção de restaurar o processo de paz, colocou a questão social, e não a questão nacional, no núcleo de sua plataforma de governo. Isso, num país em estado de guerra, corresponde a uma abdicação política antecipada e condena ao isolamento o mais tradicional partido israelense.
Sharon, o velho falcão que deixa a cena, sempre interpretou a paz como continuação da guerra por outros meios. Se, no seu leito de enfermo, recobrar a consciência, constatará que a nação israelense parece resignar-se a esse legado medíocre.

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