No domingo, a entrevista de Lula no Fantástico; na terça, a estréia da série JK. Até o mais incauto dos espectadores deve ter sentido o contraste. A grandeza de Juscelino Kubitschek é mitificada ao extremo pelo estilo novelão, mas a pequenez de Luiz Inácio teve uma de suas mais chapadas demonstrações. A mãe de Nonô dizia: "A única herança que vou deixar para você é a educação." Lula, que já chorou por sua mãe ter "nascido analfabeta", desdenha o estudo e não citou uma única herança educacional de seu governo. O primeiro, apesar de não ter feito um governo notável pela educação, ao menos sabia onde estava e aonde queria ir. O outro não sabe nem o que se passa fora de sua sala. Mas o contraste não pode ofuscar as numerosas meias-tintas. O JK da realidade era outro. A série, bem produzida, mas de texto ingênuo e toques de "realismo mágico" (mortos que aparecem, etc.), promete muito e entrega pouco, a julgar pelos dois primeiros capítulos. Juscelino é um herói quase sem defeitos, e o "quase" entra aí mais para reforçar o heroísmo do que para relativizá-lo. É o filho perfeito, o irmão perfeito, o aluno perfeito, o amigo perfeito. É a conciliação sem conflitos entre o pai sonhador e a mãe prática. Como candidato a médico em meio a um surto de gripe espanhola, não teme nem erra. Mesmo que freqüente bordéis e atrase o pagamento da pensão em Belo Horizonte, não deixa de ser como um samaritano. A invenção de um personagem irreal, o coronel Licurgo, que prega moralidade puritana e transa com negras e rameiras grunhindo como um escravocrata anacrônico, serve para dividir em a.J. e d.J. a história do Brasil. Ouvir alguns minutos de bordões nacionalistas dos modernistas num lobby de hotel é suficiente para que Juscelino encarne a utopia do país do futuro, dengoso por natureza. Há muitos capítulos pela frente. Divulga-se que os erros de JK como político serão devidamente mostrados, mas está dado o tom. Na criação de Brasília, por exemplo, talvez se ouçam críticas ao custo inflacionário da empreitada. No entanto, dificilmente será contestada como idéia. Os autores, Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira, atribuem o desenvolvimento do centro-oeste à construção da capital futurista. Os fatos dizem que isso só foi acontecer nos últimos 15 anos graças à abertura comercial, ao fim da inflação alta, ao investimento de agronegociantes do sul e sudeste e ao trabalho de pesquisa da Embrapa. Não foi por decreto, de cima para baixo. É nesse aspecto que JK ganha uma dimensão que não tem, mas que o faz parecido com tantos presidentes antes dele, como Getúlio, e depois, como FHC e Lula, que muitas vezes disseram nele se espelhar, ainda que na época a dita "esquerda" o tenha criticado ferozmente por franquear o Brasil às multinacionais. Eis o conceito: as conquistas do país são menos da sociedade que do Estado; o processo de desenvolvimento é uma obra artificial dos chefes de governo, como uma locomotiva a puxar o trem. Alguns biógrafos de JK parecem atribuir a ele até a bossa nova, o cinema novo, o surgimento de Pelé, todo o saudoso momento de explosão cultural do Brasil pós-1954. Lula atribui a si próprio o boom das exportações e até os dissídios salariais acima da inflação, como se estivesse ainda no alto de um caminhão com megafone. Pedro Bial fez uma entrevista muito boa porque, ao contrário dos outros, contestou e acuou o presidente. Lula passou recibo – "como nunca antes", para usar sua expressão messiânica de costume. Abatido e gaguejante, não conseguiu nem mesmo seguir a cartilha que os marqueteiros lhe prepararam desde que a crise estourou. Sim, mais uma vez se disse traído, sem identificar por quem, e mais uma vez afirmou que o PT cometeu erro gravíssimo, sem dizer qual a punição que cabe ao partido. Mas precisou repetir tantas vezes que uma pessoa é inocente até prova em contrário, mesmo diante das provas citadas por Bial, que o público viu o vazio de seu governo, viu o despreparo e a desfaçatez de seu representante. Lula não tem noção do cargo que ocupa; desconhece o sentido da responsabilidade pública. Em qualquer país um ministro que faz o que José Dirceu fez, do caso Waldomiro até o favorecimento à ex-mulher, para não falar dos caminhos abertos para Marcos Valério aos cofres públicos, seria afastado imediatamente. Se fosse para esperar nossa Justiça, ficaria três mandatos no cargo até a sentença final... E o problema não é parecer honesto; é ter condições de responder a denúncias tão consistentes. Só faltaram intervenções semelhantes no bloco de perguntas sobre economia. Lula não foi instado a explicar como é que o Brasil pode ter um crescimento de 2,4% num momento em que a economia mundial está como está. (Atenção, analistas oficiais: a principal causa da queda do risco-país não são as virtudes da economia brasileira.) Nada fez pela infra-estrutura, pelos investimentos produtivos, pelas reformas estruturais. Esvaziou as agências reguladoras, não conseguiu as PPPs, aumentou impostos e despesas públicas. Aproveitou o deserto de notícias na mídia de fim de ano para plantar ações como um plano emergencial para estradas que não é mais que isso, emergencial, e que exige contrapartidas que os Estados não podem dar. O único objetivo de seus gastos é tentar salvar sua campanha de reeleição. JK, para o bem e para o mal, foi um fazedor. Não fez muita coisa que dizem ter feito – e, iludido ou não, apoiou o golpe militar de 1964 –, mas soube captar o momento da nação. Raposa, tirou o bode da sala brasileira e apelou à sua índole otimista e compassiva. Não ficou soltando bazófias por ter "vindo de baixo", não fez comparações mentirosas com governos anteriores, não disse ser mais ético que todas as pessoas que votaram nele. Estudava e enfrentava os problemas e parecia acreditar nos rumos escolhidos, os quais não confundia com as concessões necessárias. É por esses motivos que não existe, e nunca existirá nem mesmo nas teleficções, uma Era Lula. RODAPÉ É muito feliz a iniciativa da Nova Fronteira de comemorar seus 40 anos reeditando 40 dos melhores livros de seu catálogo, de autores como Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro e Antonio Callado até Balzac, Baudelaire e Thomas Mann. Num país onde as livrarias só possuem o que foi lançado nos últimos seis meses, e onde não raro você se depara com um "esgotado" quando procura por algum livro importante, é preciso comemorá-la. Da mesma editora, no final do ano, esqueci de registrar a publicação de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, que o navegador português escreveu entre 1569 e 1580. Ler essa prosa, como ando lendo também a de Frei Luís de Souza, é mergulhar num português de cadências saborosas, de sonoridades frescas. UMA LÁGRIMA Para Gianni Ratto, cenógrafo que fez muito pela modernização do teatro brasileiro. Outra para Aurora Miranda, irmã de Carmen, pessoa destituída de inveja e voz talentosa de Cidade Maravilhosa. VALORES VIRTUAIS Tenho visto muitos blogueiros colocando "filtros" nos comentários postados pelos visitantes, devido à grosseria de alguns. Muita gente anda abandonando o Orkut por motivo parecido ou por ciúmes das mensagens deixadas por estranhos ou por antigos namorados. E me lembro que, quando coloquei o e-mail no alto desta coluna, Ivan Lessa me perguntou como é que eu tinha coragem, porque iria aparecer um monte de amolação. Claudio Abramo dizia, antes da internet, que quem escreve carta para jornal ou é doido ou gostaria de ser articulista. Não se pode atribuir o problema à tecnologia, mas o fato é que ela facilita. Tem sempre dois ou três que simplesmente xingam ou dizem ter "ojeriza"; querem que a gente perca o emprego, patrulham a liberdade de escrever sobre mais de um assunto, ou então tiram proveito de um lapso ou erro menor para descartar o cerne do argumento. Bem, simplesmente não leia. A maioria dos que escrevem está muito mais interessada em trocar idéias e dicas – e oxalá continue assim. POR QUE NÃO ME UFANO Enquanto Paulo Coelho tratava José Dirceu à tripa forra em seu castelo nos Pirineus, um funcionário do Ministério da Cultura chamava Ferreira Gullar de "stalinista" (ora, ora) por ter criticado a desastrosa gestão de Gilberto Gil e, na mesma semana, se sabia que o governo cortou patrocínio do Banco do Brasil ao telejornal de Boris Casoy, demitido pelos chefões evangélicos. Os petistas nunca entenderam o conceito de liberdade de expressão, nem assim deixaram de ser sempre prestigiados por intelectuais e artistas. Não por falta de aviso.
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domingo, janeiro 08, 2006
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