| Por Reinaldo Azevedo |
| Dia desses, um interlocutor me surpreendeu com uma afirmação categórica, surgida lá das certezas mais íntimas: "Serra é perigoso porque é contra o sistema de metas de inflação". Contraditei, lembrando que jamais tinha lido qualquer coisa a respeito. Ainda tentei ponderar que se pode, e não estou dizendo que seja necessariamente o caso do tucano, ser favorável ao sistema, mas, eventualmente, crítico de sua aplicação e do número perseguido. Parece-me que o bom usuário do regime de metas de inflação buscaria um número que fosse econômica, política e socialmente factível, relevando, inclusive, desculpem-me este traço de atraso lamentável, as necessidades de crescimento da economia. Sei que até Alan Greenspan pensa dessa forma atrasada. Busco o exemplo do presidente do Fed porque pretendo ser um passadista algo influente. Ele não me parece um homem avesso à economia de mercado, entendem? Indaguei o que mais, segundo o meu companheiro de prosa, Serra deveria esclarecer para se tornar, então, um candidato com "menos risco" para os mercados. E ele foi me falando tudo, com o desassombro dos bons camaradas. Deveria vir a público para deixar claro que não pensa em nenhuma forma de interferência no câmbio, já que ele é flutuante, como nas boas economias do mundo. Ponderei que, "nas boas economias do mundo" — e os países asiáticos, além dos emergentes, estão aí para prová-lo —, há uma brutal interferência oficial na política cambial. E, nesse momento, percebi, que o exemplo "que vem de fora" é só um mito, quase um fetiche. "Ah, mas nós não somos um país asiático." Disso sei bem: informa-me a geografia. Eu só estava tentando descaracterizar uma afirmação genérica que é falsa. "Ademais — ponderei —, o BC brasileiro interferiu, e muito, no câmbio nos últimos tempos. Se não conseguiu chegar aonde queria, impediu que o real se valorizasse ainda mais." Em suma, o Brasil é um país que vive atuando no mercado cambial. O diabo é que o faz quando já não adianta mais. Então, vejam só, não se tratava de um temor com base em qualquer risco objetivo. É só uma marcação dos mercados homem a homem. Para quê? Chegaremos lá. A conversa ia bem. O que mais Serra deveria fazer para se mostrar "de confiança". Ah, se ele anunciasse um BC independente, tudo seria diferente. "Independente" de quem?, eu quis saber. A resposta veio como uma lâmina: dos políticos. Entendi. Até havia quatro ou cinco meses, alguns iluminados diziam que o país cresceria 5% em 2005. Deve ficar em menos da metade, o que é humilhante em face do que acontece no mundo. E, claro, dois preços fundamentais como câmbio e juros deveriam ser decididos longe desse "nojo" que é a política! Ainda que os desdentados decidissem invadir o Palácio de Inverno e empalar o governante de turno, os bravos rapazes do BC estariam protegidos numa fortaleza legal. E pensar que foi Lula quem tornou esses demofóbicos tão ousados, não é mesmo? Chegando em casa, decidi fazer uma pesquisa. E fui ler os prognósticos dos bravos rapazes cuja inteligência obedece à, se me permitem, metafísica da PUC do Rio, hoje uma verdadeira escola de pensadores econômicos, o que não deixa de ser uma virtude. Mesmo que seja aquele pensamento. Li as graves advertências que faziam às vésperas da desvalorização do real, no começo do segundo mandato de FHC. Era inevitável, eles diziam: a inflação iria explodir. Estavam certos sobre isso como o crente convicto em uma religião qualquer. E, no entanto, operou-se o que poderia ser um milagre (a inflação não se mexeu), não fosse o fato de que não havia renda para pressionar a demanda. É admirável, vá lá, que todos continuem fidelíssimos a seu credo, que lhes rende, de resto, influência e, não custa lembrar, uma vida bastante confortável. Muitos deles inventaram a sua própria maneira de viver Gramsci: "pessimistas no diagnóstico", sempre recomendaram que não se mexesse em nada; "otimistas na ação", tornaram-se todos ótimos banqueiros (ou seus subordinados de luxo). Entendi o que o meu interlocutor queria. A conversa de "metas de inflação" era, e nem ele sabia, mero diversionismo. O que realmente o deixaria feliz seria uma Carta ao Povo Brasileiro, desta feita assinada por Serra, garantindo que nada vai mudar; que o Brasil está tão maduro institucionalmente, que um governo pode ser substituído sem que a gente nem mesmo note. Não faço juízo de valor nem entro no mérito, apenas lembrarei um caso que põe em debate a democracia e a estabilidade das regras: vejam o que George W. Bush fez dos números que herdou de Bill Clinton. Os superávits gêmeos viraram déficits gêmeos. Ora, é óbvio que Bush traiu um compromisso de campanha. Se tivesse assinado uma "Carta ao Povo Americano", as contas dos EUA poderiam até estar em melhor estado, mas sua democracia é que teria ido para o brejo. Quando o PT assinou aquele documento, expondo-se ao servilismo para ganhar as eleições (afinal, seus sequazes já tinham feito e vinham fazendo coisa bem pior), acenaram com a irrelevância da política, que passaria a ser, então, apenas o locus das trapaças, das vigarices, das manhas, das artimanhas, das bravatas. O valerioduto se encarregaria da canalha. O Brasil que interessa, o dos negócios entre o Estado e o seleto grupo de privados que conta, este ganhava uma blindagem contra qualquer interferência da política. Esse papo, pois, de que Serra é contra o regime de metas é mero pretexto para tentar arrancar dele, precocemente, um "fica tudo como está". E a mesma, se me permitem, malandragem tenta envolver o governador Geraldo Alckmin, a quem se atribuiriam, então, essas virtudes "continuístas". São distorções (acho eu) opostas, porém combinadas. O debate está no começo. Está nas páginas da edição de janeiro de Primeira Leitura. Ali se fala de caminhos, de alternativas, sem dar receita, é claro, já que receita não há. O que me parece insuportável é que pessoas que já erraram feio antes, de forma monumental, procurem justificar o desempenho medíocre da economia brasileira segundo o que seria o rigor acadêmico, fingindo-se de ortodoxos. Uma economia entupida de dólares, com superávit primário gigantesco, mas de má qualidade, paga os juros reais mais altos do mundo sob o pretexto de conter a inflação, mas estimula um programa de crédito que se volta para o consumo: a inflação não vai embora de vez, mas o crescimento desaba. Isso é ortodoxia? Isso, sim, é que é heterodoxia; isso, sim, é que é exotismo. No fim das contas, o que surge como óbvio é que aqueles que fingem temer Serra têm mesmo um candidato não do coração, mas do bolso: Lula. Ele é a Gilda dos mercados. Esqueçam, rapazes: para certos negócios, jamais haverá um presidente como ele. Seja Serra, Alckmin, Garotinho ou o Cacareco. Como intuem que um segundo mandato do Apedeuta traria na rabeira uma grave crise, estão tentando alguma alternativa. Querem um novo Bel'Antonio, só que menos trapalhão. Se, na poesia, a vida é sonho, na política, a vida é lobby. Ok, estão jogando o seu jogo. O que não quer dizer que devam contar com a nossa ajuda. [ reinaldo@primeiraleitura.com.br] |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
domingo, janeiro 08, 2006
Quem tem medo de Serra? Ou Lula, a Gilda dos mercados
PRIMEIRA LEITURA
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
janeiro
(530)
- Ladrão não mais', diz Fernando Henrique Cardoso
- Editorial de O GLOBO
- Editorial de O GLOBO
- Miriam Leitão Supersuperávit
- Luiz Garcia Sabe-se que ninguém sabe
- MERVAL PEREIRA (B)RICS
- LUÍS NASSIF O operador e as TVs abertas
- JANIO DE FREITAS O caixa três
- ELIANE CANTANHÊDE Fase de engorda
- CLÓVIS ROSSI Primitivo e bárbaro
- Editorial da Folha de S Paulo
- Editorial da Folha de S Paulo
- Lucia Hippolito na CBN:Campanha original
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Fazendeiro JK Xico Graziano
- DORA KRAMER: CPI cita, mas não indicia
- AUGUSTO NUNES Conta tudo, Duda
- Editorial da Folha de S Paulo
- Sobre o liberalismo - MARCO MACIEL
- Editorial da Folha de S Paulo
- O alckmista- VINICIUS TORRES FREIRE
- Agendas e objetivos diferentes - LUIZ CARLOS BRES...
- Editorial da Folha de S Paulo
- Fernando Rodrigues - Os marqueteiros
- Clóvis Rossi - O declínio do império, segundo Soros
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Mais jornalismo e menos marketing
- FHC, um apagador de incêndio?
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG:Estado assistencial
- Lucia Hippolito na CBN:Banco do Brasil do novo século
- Lula, as oposições e o Jornal Nacional
- Merval Pereira Entre o populismo e o realismo
- FERREIRA GULLAR Arapongas
- ELIANE CANTANHÊDE Hoje, é assim
- As memórias casuais de FHC, para americano ler
- AUGUSTO NUNES Deputados celebram o Dia da Infâmia
- Miriam Leitão Aliança livre
- LUÍS NASSIF A indústria estéril da arbitragem
- JANIO DE FREITAS O vertical não cai de pé
- CLÓVIS ROSSI Hipocrisia
- Editorial da Folha de S Paulo
- MAILSON DA NÓBREGA: Banco del Sur
- DANIEL PIZA: O estadista
- Entrevista:Armínio Fraga: 'Crescer como China e Ín...
- ALBERTO TAMER: Carta aberta ao ministro Furlan
- Editorial de O Estado de S Paulo
- DORA KRAMER: O dilema dos cardeais
- ROBERTO TEIXEIRA, NAS PALAVRAS DE LULA
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Editorial de O Estado de S Paulo
- VEJA A dupla conquista
- CAI O DESEMPREGO....OU A ESPERANÇA DE EMPREGO ?
- Petróleo: Brasil é auto-suficiente
- VEJAENTREVISTA Norman Gall
- MILLÔR
- Claudio de Moura Castro No país dos decibéis
- Tales Alvarenga Romaria de esquerda
- VEJA Diogo Mainardi Em guerra com o lulismo
- Jogo sem regras
- Roberto Pompeu de Toledo
- VEJA Com dinheiro do povo
- VEJA CPI Depoimento de Palocci foi pífio
- VEJA Garotinho mentiu sobre pesquisa que encomendou
- VEJA O novo marqueteiro de Lula também é investigado
- FERNANDO GABEIRA Lamentos de um morador de Ipanema
- Concorrência global, enfoque local GESNER OLIVEIRA
- Poupado em CPI, Palocci atende a pedido de ACM
- FERNANDO RODRIGUES Céu e inferno para Lula
- CLÓVIS ROSSI A tardia angústia da elite
- Editorial da Folha de S Paulo
- Editorial de O Estado de S Paulo
- Editorial de O Estado de S Paulo
- ENTREVISTA:'Não há paz com o Hamas, não há paz sem...
- Variações sobre o livro e a internet
- DORA KRAMER DORA KRAMER: Serra cala, mas não cons...
- Editorial da Folha de S Paulo
- Miriam Leitão Enquanto isso
- Linchados na CPI SÉRGIO ROSA
- Eu, Bono e você REINALDO AZEVEDO
- Editorial de O GLOBO
- ZUENIR VENTURA Estação purgatório
- MERVAL PEREIRA O mundo plano
- A importância do livre comércio
- COISA BOA Claudio Haddad
- Luiz Garcia Horizontalizaram
- CLÓVIS ROSSI O Estado morreu, viva o Estado
- Editorial da Folha de S Paulo
- Editorial da Folha de S Paulo
- Editorial da Folha de S Paulo
- DORA KRAMER: Fidalguia só não faz verão
- Miriam Leitão Palocci na CPI
- Luiz Garcia Horizontalizaram
- Que pensar da China? Washington Novaes
- O câncer da corrupção João Mellão Neto
- Lucia Hippolito na CBN:Conselho de Ética faz sua p...
- Merval Pereira Crescer ou crescer
- REELEIÇÃO por Denis Rosenfield
- ENTREVISTA:Ozires Silva "O governo quebra todo mundo"
-
▼
janeiro
(530)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA