Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 04, 2006

CELSO MING Mudança de padrão (2)

ESTADÃO

Felizmente, os empresários pararam de dizer que a cotação do dólar, baixa demais como está, provocará um desastre na balança comercial. As projeções para 2006 dizem o contrário.

A Fiesp, por exemplo, prevê para 2006 um superávit comercial (exportações menos importações) de US$ 31,2 bilhões no pior cenário e de US$ 53 bilhões, no melhor. A Pesquisa Focus, do Banco Central (feita semanalmente em 100 empresas, instituições e consultorias), aponta para US$ 37 bilhões. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, aceita US$ 35 bilhões, mas parece predisposto a rever os dados para algo mais próximo dos US$ 38 bilhões.

São projeções mais realistas do que as feitas no ano passado. Falava-se, então, de um superávit comercial de seus US$ 27 bilhões (Pesquisa Focus), mas os números desembocaram nos US$ 44,8 bilhões, como se viu.

Convém não esperar ao longo de 2006 por surpresas tão grandes na balança comercial quanto as que ocorreram em 2005. Fiquemos com um superávit (exportações menos importações) arredondado de US$ 38 bilhões. Se esse número se confirmar, o que acontecerá com a cotação do dólar? Na melhor das hipóteses, o Banco Central seguirá comprando moeda estrangeira, oficialmente "para recompor reservas" (e não para impedir o tombo das cotações). Neste caso, o dólar provavelmente ficaria por aí mesmo, ao redor dos US$ 2,30 ou US$ 2,40 e, enquanto isso, as reservas saltariam para a altura dos US$ 80 bilhões.

Se isso se mantiver, os analistas internacionais olharão para essa pilha de dólares, confirmarão que a dívida externa terá caído ainda mais em relação às exportações e que a dívida pública interna não terá mais passivo amarrado ao dólar. E dirão: essa economia brasileira é um portento! É o tipo da percepção que reforçará a tendência à valorização do real.

Há os que, por uma questão de hábito, seguirão pensando que o principal derrubador do dólar no câmbio interno são os juros nas estrelas, "os mais altos do mundo". Lá por setembro ou outubro, os juros básicos terão recuado dos atuais 18% ao ano para 14% ou 15% ao ano e, no entanto, a exuberância exportadora impedirá que as cotações do dólar se recuperem.

Alguém então se lembrará de 2002 e dirá que o risco eleitoral se encarregará de puxar o câmbio para cima. Mas, cá entre nós, em 2005 já houve de tudo. Foi um ano de enormes crises políticas, com suas três CPIs e tantos escândalos que paralisaram o governo; período em que o fogo amigo se encarregou de fritar o ministro Antonio Palocci e de encher a bola do senador Aloizio Mercadante - e, no entanto, nada disso conseguiu interromper o processo de fortalecimento dos fundamentos da economia. Será que as inevitáveis incertezas eleitorais serão mais fortes do que essa crise e conseguirão elas provocar a fuga de capitais que não houve em 2005?

Não faz sentido culpar o Banco Central por deixar que o câmbio fique tão derrubado ou por colocar em prática uma política monetária (política de juros) conservadora. É mais prático admitir que os antigos padrões de análise já não servem para entender o que está ocorrendo.

Como ficou dito na coluna de ontem, está em curso uma mudança de paradigma, que tem transformado as condições da produção e das finanças em todo o mundo. Esta mudança tem relação com a demanda asiática (China e vizinhança) por matérias-primas e produtos intermediários fornecidos pelo Brasil.

Em vez de reclamar que a economia não funciona como se previa, é preciso antes avaliar melhor a natureza dos novos ventos, entender em que direção sopram e ajustar imediatamente nossas velas.

Mudança de padrão (1) CELSO MING

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