Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

Morte da ética em Severino

VEJA

Defensor das piores causas, o presidente da
Câmara aceita pressões para melar as CPIs


Otávio Cabral

 

Ricardo Stuckert
O SILÊNCIO
Lula condecora Severino: medalha no peito do defensor do trabalho escravo


Mesmo antes de se saber da propina de 10.000 reais envolvendo o deputado Severino Cavalcanti, sua condição política e moral de comandar o processo de cassação de dezoito deputados do mensalão já vinha sendo questionada. Na semana passada, esse questionamento chegou ao seu ponto mais alto depois que Severino deu uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na qual enfileirou barbaridades muito condizentes com sua biografia mas que soaram chocantes. Disse duvidar que o mensalão tenha existido, ignorando a profusão de provas nesse sentido. Disse que é menos grave receber dinheiro numa bolada só do que em forma de mesada, estabelecendo uma originalíssima distinção entre corrupto à vista e corrupto a prazo. Disse, ainda, que financiar campanhas com dinheiro clandestino é um crime menor, razão pela qual defendeu que os acusados recebessem penas mais brandas, como censura ou repreensão, e não a dureza de uma cassação de mandato. A entrevista foi mais uma prova da inadequação – moral, ética – de Severino ao cargo que ocupa e deflagrou um movimento por sua cassação, sob o argumento elementar de que defender um crime é uma afronta ao decoro parlamentar.

 

Eugenio Novais
Celso Junior/AE

ACM NETO (PFL-BA)
"A denúncia (da propina de Severino) é grave e exige investigação completa. É preciso esclarecer a ação de Severino."

JOSÉ CARLOS ALELUIA (PFL-BA)
"Isso (a propina de Severino) não é caso de fazer uma CPI. É caso de investigação sumária no Conselho de Ética."

"Ou vossa excelência começa a ficar calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo", ameaçou o deputado Fernando Gabeira, do PV do Rio de Janeiro, ao falar em plenário sobre a entrevista do presidente da Câmara. Na prática, o movimento já começou. Além do PV de Gabeira, o PPS e o PDT já anunciaram apoio ao pedido de cassação do mandato de Severino por quebra de decoro parlamentar. O deputado José Carlos Aleluia, do PFL baiano, ameaçou pedir a convocação de Severino para prestar esclarecimentos à CPI do Mensalão. "E não é nada agradável ver o presidente da Câmara depondo numa CPI", completou. A evidência de que lhe falta estatura para comandar a Câmara, aliada ao seu périplo para que o mensalão acabe em pizza, levou Severino a uma cena constrangedora na quinta-feira passada. Em solenidade no Itamaraty, Severino recebeu das mãos do presidente Lula uma cobiçada comenda do governo, a Ordem de Rio Branco. Eram 140 homenageados, e 139 foram aplaudidos ao receber a comenda. Na vez de Severino, os aplausos não foram ouvidos. Talvez fosse até melhor que houvesse uma vaia. Mas não. Houve silêncio.

 

Ed Ferreira/AE
Dida Sampaio/AE

MICHEL TEMER (PMDB-SP)
"É uma surpresa extraordinária imaginar que o presidente Severino esteja envolvido em uma denúncia como essa (de propina)."

FERNANDO GABEIRA (PV-RJ)
"Com essa agora (a propina de 10 000 reais), acho que o processo contra Severino passa a ser prioritário."

Agora, com a denúncia da propina de 10.000 reais, o que o futuro reserva ao deputado Severino Cavalcanti? "Minha idéia era pedir uma investigação sobre Severino depois de encerrado o caso dos mensaleiros. Mas, com essa agora, acho que o processo contra Severino passa a ser prioritário", disse o deputado Fernando Gabeira ao ser informado por VEJA da reportagem que a revista publicaria sobre a propina. O líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia, do PFL baiano, também informado sobre o caso dos 10.000 reais mensais, disse que seu partido fará, nesta semana, uma representação no Conselho de Ética contra o presidente da Câmara. "Isso não é caso de CPI. É caso de investigação sumária no conselho", disse Aleluia, para quem Severino deveria ser afastado do comando da Câmara enquanto durasse a investigação. O deputado Eduardo Paes, do PSDB fluminense, tem opinião semelhante. "É necessário abrir imediatamente um processo de investigação contra o presidente Severino", disse. "A denúncia é gravíssima e coloca em dúvida se ele tem condições de continuar presidindo a Casa."

 

Valter Camapanato/ABR
Sergio Castro/AE

EDUARDO PAES (PSDB-RJ)
"A denúncia (da propina de Severino) é gravíssima e coloca em dúvida se ele tem condições de continuar presidindo a Casa."

DELCÍDIO AMARAL (PT-MS)
"Se tudo for verdade (a propina de Severino), é um caso grave de quebra de decoro. É preciso investigar já e com todo o rigor."

Severino Cavalcanti, 74 anos, terceiro mandato, base eleitoral em João Alfredo, no sertão de Pernambuco, sempre foi um homem do baixo clero parlamentar e, mesmo depois de virar presidente da Câmara, jamais deixou de sê-lo. Desde que assumiu o cargo, em fevereiro passado, Severino vem consolidando as piores expectativas em relação à sua gestão e à sua biografia. Chegou ao posto aumentando a verba de cada deputado de 35 000 para 44 000 reais, sem se preocupar com a folia de gastos. Na semana passada, articulou a derrubada do veto presidencial ao aumento de 15% no salário dos funcionários do Legislativo, novamente sem se importar com a despesa adicional de 500 milhões de reais por ano. Em suas maquinações de bastidores, Severino tem feito coisas homéricas. Chegou a ponto de tentar, junto aos órgãos federais, facilitar a vida de um usineiro que – por quatro vezes! – foi punido por escravizar trabalhadores em sua fazenda em Mato Grosso. Severino queria que o usineiro, seu amigo, voltasse a entrar na lista dos fornecedores de álcool para a BR Distribuidora, da qual fora excluído exatamente por seu histórico escravista.

 

Ana Araújo
DEDOS EM RISTE
Severino, no bate-boca com Gabeira no plenário: depois das barbaridades

Agora mesmo, Severino fez um lobby intenso para emplacar o deputado Augusto Nardes, seu amigo do PP gaúcho, como ministro do Tribunal de Contas da União. O caso é um constrangimento do início ao fim. Nardes é processado por crime eleitoral, peculato e concussão, mas fez um acordo para livrar-se da condenação: doaria 1.000 reais ao Fome Zero e faria oito palestras em escolas públicas, uma a cada três meses, durante dois anos, sobre democracia e eleição. Fechado o acordo, nem isso o deputado cumpriu. Tentou dar um aplique dizendo que concedera as oito palestras em dois dias. Em abril, o procurador-geral da República denunciou a malandragem à Justiça, exigindo que a pena fosse cumprida ao longo de dois anos – e não de dois dias. Informado da ação criminal e do acordo fraudado, o presidente do TCU, Adylson Motta, ficou horrorizado. Escreveu ao presidente Lula pedindo que não sancionasse a nomeação de Nardes devido à "inobservância do requisito constitucional da reputação ilibada e idoneidade moral". Lula não deu a mínima. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União na semana passada.

 

Ana Nascimento/ABR
ONDE ESTÁ?
Nardes, o amigo de Severino que foi indicado ao TCU: cadê a tal reputação ilibada?

Além de tudo, Severino circula pelos corredores da Câmara a bordo da suspeita amplamente disseminada de que trabalha para transformar o mensalão em pizza porque vem sendo chantageado. Ninguém conhece exatamente os termos da chantagem, mas todo mundo sabe que seu autor é o deputado José Janene, líder do PP, partido de Severino, e um dos reis dos milhões sacados das contas de Marcos Valério. Janene nunca contou o destino da dinheirama que recebeu do valerioduto. Qual será o segredo de Janene contra Severino? O presidente da Câmara, para sorte sua, não tem apenas inimigos. O deputado Benedito Dias, do PP do Amapá, é um aliado. Na semana passada, Dias pediu a cassação de Fernando Gabeira por ofender Severino em plenário. No mesmo dia, o procurador-geral da República solicitou ao STF a abertura de inquérito contra Dias. O amigo de Severino é acusado de desviar recursos públicos destinados à construção do Hospital do Câncer de Macapá e... Bem, digamos, resumidamente, que é um aliado de Severino, o homem que, nesta semana, embarca com destino a Nova York para discursar na ONU como representante do Brasil. Se a crise deixar, é claro.

 

Fotos Victor Soares/Agência Brasil/divulgação/Ana Araújo/José Varella/CBPress/ Bruno Stucker/Folha Imagem

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