o globo
Os brasileiros, há mais de três meses, acompanham cada notícia sobre o escândalo do mensalão. Apesar de tristes e chocados, acham que é possível fazer algo a respeito; do contrário, não perderiam seu precioso tempo. Na última pesquisa Ibope, eles apontaram honestidade — ao lado de programa de governo — como o que mais valorizam num candidato. O deputado Severino Cavalcanti quer pena branda para culpados, acha que políticos devem empregar parentes, elegeu-se defendendo aumento para os deputados.
Sim, ele está em contradição com o Brasil. A frase do deputado Fernando Gabeira fez tanto sucesso porque está na cabeça de cada brasileiro que acompanha indignado cada evento desta sucessão de erros dos políticos brasileiros. Por ecoar o que tantos sentem, é que ela foi tão ouvida.
Nos últimos dias, além de todos os seus erros, aparecem denúncias de que Severino cobrava para manter os serviços de fornecedores. Ele negou. Independentemente do que for provado, ninguém tem dúvida que Severino não é a pessoa que deveria estar presidindo um processo de "Mãos Limpas" na Câmara dos Deputados. Aliás, alguns dos acusadores nestas CPIs e Conselhos da Câmara poderiam facilmente trocar de lugar com os réus que ninguém notaria a diferença.
O problema é esse. O deputado Severino Cavalcanti deve ser tirado do posto caso se prove que ele recebia o mensalinho, mas isso não bastará. É preciso refletir mais sobre este estranho momento da História do Brasil, sob pena de o repetirmos. Tem sido excessivamente doloroso, tem que permitir, portanto, o aperfeiçoamento das instituições políticas brasileiras.
Severino Cavalcanti não mudou de idéia quando assumiu o posto de presidente da Câmara dos Deputados. Ele sempre foi o defensor dos favores; das vantagens corporativas; dos deputados que, por falta de talento ou empenho, nunca conseguiram deixar de ser excelências desconhecidas. Foi eleito pelos erros do governo Lula na condução da relação entre Executivo e Legislativo, a maneira arrogante com que o PT conduziu o processo na Câmara e os erros da oposição ao achar que poderia usar seu voto para dar uma lição ao governo. Todos — de um lado e de outro — brincaram com coisa séria.
O candidato oficial do PT à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh, percorreu o país com jatinhos alugados por Delúbio Soares na mais suntuosa campanha já feita para a chefia da Casa. Isso também está em contradição com o Brasil. Portanto, se a escolha não fosse Severino, a situação não estaria melhor agora. É preciso pensar em outros erros do Legislativo.
Na semana passada, deputados e senadores se mobilizaram. Foi a semana em que 18 nomes foram para a Comissão de Ética. Mas eles não se mobilizaram para estabelecer uma estratégia de recuperação da confiança dos cidadãos em seu Poder Legislativo, para limpar a Casa, para aperfeiçoar procedimentos. Estiveram todos no plenário em longa e aguerrida votação para derrubar um veto presidencial ao aumento dos salários dos seus funcionários, muitos deles, parentes dos próprios parlamentares. O próprio corregedor — protegido de Severino — é um praticante do nepotismo; emprega um irmão e uma irmã. Como é que uma instituição, debaixo de tanto descrédito, resolve empenhar-se para aprovar vantagens para seus próprios funcionários? E isso depois de terem aumentado suas verbas de gabinete.
Severino contou que usou sua influência para livrar um bêbado que quebrara todo o bar porque ele era de João Alfredo, reduto eleitoral dele; e livrou outro que foi parado pela Polícia Rodoviária com documentação vencida. Depois defendeu-se: "Eu estava cuidando do meu povo. Esse mesmo povo que sempre me deu uma enorme votação. Se algum filho de João Alfredo precisa de mim, não posso quebrar essa confiança. Com quem mais eles podem contar?" João Alfredo é uma cidade que tem 42% de analfabetos. Mas isso não incomoda Severino. Ele se mobiliza é para salvar bêbados ou motoristas sem habilitação. Um político deve defender a região que representa, mas os interesses coletivos da região; e não o acobertamento de delitos individuais. Essa visão de Severino do papel do político está em contradição com o Brasil moderno.
Sua visão federal é ainda mais tosca. Defendeu a nomeação do filho, dizendo que fazia um favor ao Brasil; deu ultimato ao presidente Lula para nomear seu protegido, o corregedor, para um cargo no Ministério; pediu a "diretoria do fura-poço" para um aliado. Semana passada, defendeu penas brandas para os mensalistas. Tudo em contradição com o que os brasileiros acreditam.
A Câmara vive sua pior crise de credibilidade em 20 anos, incluindo aí o período do escândalo dos anões do Orçamento. Mesmo assim, não demonstrou até agora ter noção dos riscos institucionais que corre. Como não há democracia sem Congresso, o que a Câmara tem posto em risco não é apenas o mandato de cada um. A esperança é que este último caso sacuda a Câmara e permita que certos senhoras e senhores deputados vejam um pouco além do seu mundinho.
Entrevista:O Estado inteligente
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