Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

Espião X espião

VEJA

O jogo da escuta clandestina,
uma especialidade de Brasília,
nunca esteve tão intenso quanto
agora, na reta final das CPIs


Julia Duailibi


Fotos Ana Araujo
ujo
Delcidio descobriu que tinha espionagem eletrônica em seu quarto de hotel. Heloísa Helena recebeu ameaças no celular e Lorenzoni (ao lado) destrói tudo no picador de papel


Especialistas em saúde usam o termo paranóia para descrever desconfiança ou suspeita aparentemente infundada. A temperatura política nos últimos dias em Brasília tem causado essa espécie de distúrbio em muitos parlamentares integrantes das CPIs. Telefones grampeados, sensação de estar sendo seguido, familiares ameaçados. Deputados e senadores têm identificado mudanças em sua rotina desde que começaram a investigar o valerioduto. Em alguns casos, há motivo concreto para desconfiança. Em outros, mero delírio.

Os telefones vêm sendo o principal motivo de desconforto para quem faz parte das investigações. O deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), da CPI dos Correios, passou a usar cinco aparelhos celulares com números diferentes. Um pouco menos cauteloso, o presidente da comissão, Delcidio Amaral (PT-MS), usa apenas quatro linhas de celular. "Mas duas delas troco de quatro em quatro semanas", afirma Delcidio. O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) foi protagonista de um episódio constrangedor. Um araponga a serviço de um inimigo político chegou a avisá-lo de que a linha de telefone de sua casa em Curitiba estava grampeada. Segundo o senador, o espião ainda acrescentou: "Desta vez não fomos nós".

A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) e Delcidio Amaral viveram situações concretas. A senadora recebeu uma ameaça em uma mensagem gravada na caixa postal de seu celular no fim de julho. Embora afirme já ter recebido até ameaças de morte no decorrer de sua vida política, Heloísa Helena diz que, desta vez, ficou realmente assustada. O telefonema dava detalhes sobre a vida de um parente próximo. A Polícia Federal passou a monitorar as ligações da senadora a seu pedido.

Delcidio chamou investigadores profissionais para fazer uma varredura em suas linhas de telefone. Já tinha desconfiança de que sua família estava sendo seguida. A loja de roupas infantis de sua mulher em Campo Grande e a vida de um irmão que mora em São Paulo não teriam escapado do tal "monitoramento" dos arapongas. Os profissionais que fizeram o trabalho para Delcidio encontraram um grampo instalado no aparelho de telefone de seu quarto no hotel Blue Tree Towers, onde vive em Brasília. Alguém provavelmente conseguiu entrar no quarto do senador para colocar o grampo. "Agora só falo ao telefone na varanda", disse Delcidio, que teme escutas ambientes no quarto. A investigação particular descobriu um tal de "agente Fabinho" por trás da espionagem.

As suspeitas dos parlamentares apontam quase sempre para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), antigo Serviço Nacional de Informações (SNI). Questionado por VEJA, o Gabinete de Segurança Institucional, subordinado à Presidência da República e ao qual a Abin está ligada, negou qualquer participação nesses episódios. Os grampos telefônicos não são os únicos que despertam arrepios na classe política. Há cerca de quinze dias, o PFL mudou suas tradicionais reuniões do restaurante Piantella em Brasília para a casa de senadores e deputados. Motivo: suspeita de que as conversas estavam sendo gravadas. "Optamos então por lugares onde podemos ficar mais à vontade", diz um cacique do partido. Até com rascunhos os políticos têm sido cautelosos. Os trituradores de papel são quase uma unanimidade no Senado, onde existem atualmente 114 aparelhos. Durante as CPIs, a direção-geral da casa já recebeu novas encomendas. O gabinete do senador Demostenes Torres (PFL-GO), por exemplo, pediu um modelo mais potente, com capacidade de destruir vários blocos de papel por vez. O deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS) conta que usa a máquina para evitar que os inimigos saibam a linha de investigação que está seguindo. Diz ele: "É um dos poucos cuidados que tomo".

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