Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 06, 2008

Míriam Leitão Conflito próximo


O Brasil terá outras dificuldades com a Bolívia em breve. O preço que o Brasil paga pelo gás é reajustado a cada três meses pela média dos preços do óleo combustível nos três meses anteriores. O preço do óleo despencou, a receita da Bolívia vai cair à metade. Isso será um ponto de tensão a mais do Brasil na região, que vai sofrer a falta de crédito externo em 2009.

O ano que vem será duro para toda a América Latina. Cálculos publicados no “Financial Times” mostram que a região vai precisar de US$ 250 bilhões no ano que vem, e esse dinheiro não está disponível no mercado internacional. O ambiente já não está dos melhores. O Brasil retirou seu embaixador em Quito, depois da decisão do governo equatoriano de não pagar a dívida com o BNDES. O Equador segue em sua intenção de repudiar toda a dívida externa com a ajuda do proselitismo do presidente da Venezuela.

A estratégia de Hugo Chávez, de criar um grupo de países-satélites e mantê-los à custa de distribuição de recursos, está condenada pela queda abrupta do preço do petróleo. O produto representa 80% das receitas do país e despencou US$ 100 o barril em 90 dias. O preço de US$ 40 pode até ser considerado alto, porque no começo do primeiro governo Chávez o barril estava pouco acima de US$ 10. Mas ele elevou muito o nível de gastos, tomou decisões extravagantes, usou o excedente de receita para montar a rede de influência sobre países como Bolívia, Equador, Nicarágua e até a Argentina, de quem comprou lotes de títulos públicos. A Venezuela perdeu a sua melhor chance em décadas de usar o petróleo para alavancar o crescimento sustentado do país, criar uma poupança para o futuro, fazer mudanças estruturais no país.

No caso da Bolívia, ela também perdeu uma grande oportunidade. Ao hostilizar seu principal investidor impediu, na prática, o aumento dos investimentos no país. As refinarias que o presidente Evo Morales ocupou não eram importantes para a Petrobras, mas o gesto quebrou a confiança dos consumidores no Brasil na continuação do suprimento. Naquele momento, o Brasil começava a falar em duplicar o gasoduto, a Petrobras, que já havia encontrado os dois maiores campos do país, estava se preparando para aumentar os investimentos. A lógica daquele tempo era esta: indústria em São Paulo tinha convertido seus equipamentos para o uso do gás; outras se preparavam para isso. A Petrobras teria vendido de bom grado as refinarias ao governo, até porque o que interessava não era controlador a produção de derivados no mercado interno boliviano, mas, sim, garantir o fornecimento de gás para o Brasil.

É esse futuro, difícil de quantificar, que a Bolívia perdeu. Empresas brasileiras ficaram inseguras de contar com o fornecimento do gás, algumas voltaram para óleo combustível, a Petrobras não aumentou os investimentos, como pretendia. Hoje, nas novas versões que são sempre construídas no atual governo, para garantir que eles estavam certos quando estavam errados, o que dizem é que nunca houve quebra de contrato com a Bolívia, nunca houve problema algum.

Houve, sim, uma hostilidade inesperada e gratuita, e uma difícil negociação do contrato de fornecimento de gás. Obviamente, a Bolívia não parou de fornecer o que fornecia, porque era do interesse dela. A diplomacia do Brasil errou na época. Diante da agressão que foi a ocupação das instalações de uma empresa brasileira por tropas, sem qualquer aviso prévio, o Brasil soltou uma nota dizendo que a Bolívia tinha direito de defender sua soberania. Como se nós a ameaçássemos. Em seguida, o presidente Lula se prestou a ir a uma reunião regional transformada por Chávez em encontro de solidariedade à Bolívia. Foi patético.

Pior; foi ali que se fomentou o risco de calote serial contra o Brasil nos empréstimos concedidos pelo BNDES a obras nos países vizinhos. Calote que pode chegar, como contabilizou o jornalista José Casado, a US$ 5 bilhões, e que, no caso do Equador, ainda fizemos a gentileza de ajudar a preparação do calote, fornecendo funcionários para fazer a “auditoria” da dívida. O problema entre o Equador e a Odebrecht seria um problema empresarial não fosse o fato de que o BNDES emprestou e o governo brasileiro assumiu o risco do crédito.

Serão tempos complicados na América Latina. A economia argentina convive com inúmeras distorções. Subsidia fortemente o uso do gás boliviano. O governo manipulou a inflação a tal ponto que tornou desimportante o índice oficial. Desestimulou a produção agrícola no melhor momento dos preços das commodities.

Agora começam os tempos magros. A Bolívia verá sua receita com o gás minguar. A Venezuela está vendo sua receita despencar e seu principal comprador, os Estados Unidos, com um projeto nacional, defendido em eleição, de reduzir as compras de petróleo venezuelano. O Equador está brigando não apenas com o Brasil, mas com todos os credores e investidores, numa época em que o investimento e o fluxo de capital será escasso. Ainda fica a incerteza: como a Bolívia e o Brasil acertarão a queda do preço do gás?

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