Apenas quem não vive no tempo, mas sim no presente, é feliz.
Wittgenstein Nem sempre a crônica coincide com um grande acontecimento. Em geral, há uma patética falta de sincronia entre a coluna e o dia de sua publicação. Ora, é essa desarmonia que faz a crônica. Mas hoje, quando sua publicação coincide com o último dia do ano, estamos longe disso. Nessas datas inclusivas, há uma rara simultaneidade entre todos os que trabalham com a notícia (e com a vida), pois tanto os que reportam as novidades, quanto os que as comentam, fazendo o papel de acólitos, estão unidos na tarefa maior de celebrar um novo tempo, um desígnio mais importante do que noticiar, opinar ou comentar. No Ano Novo, a notícia maior é celebrar o Ano Novo. E celebrar é repetir e, com isso, dividir, classificar, medir, inventar, tentar capturar e criar a ilusão de controlar e manipular também o tempo.
É muito difícil não ser prosaico ou reiterativo nas viradas do ano. Nessas ocasiões em que ritualizamos o próprio tempo e não um fato que eventualmente o esboça. Sobretudo quando ele é concebido como linear e acumulativo, cada período tendo que ser melhor do que o anterior. Algo problemático, digase logo, nesta passagem de 08 para 09.
Ao dizer que 1500 foi o ano do Descobrimento do Brasil; que 1888, foi o da Abolição da Escravatura; e que, 1945, terminou a segunda grande guerra; mascaramos e personalizamos a essas datas, tirando-as de uma série incômoda, infinita e indiferente para seus pretensos controladores que se sabem paradoxalmente transitórios e, por isso, inclassificáveis nas suas paixões.
No rito de ano novo, o passado faz sentido porque os seus acontecimentos mais terríveis foram assimilados e agora fazem parte de uma estrutura.
No final do ano — olhando onipotentemente o seu começo — “vemos” o tempo passar; quando, de fato, nós é que passamos. Só temos uma consciência altaneira da crise, do crime, da falcatrua, do mau caráter dos governantes, do desamor dos amigos, depois... Quando o presente (que nos transforma em baratas tontas) vira passado (que nos traz acusatória ou ponderada, mas tipicamente jornalística, sabedoria). Por isso não há como não fazer hoje, dia 31 do 12, as retrospectivas que pretendem assimilar o que não foi previsto ou evitado. Hoje, podese dizer que 2008 foi domingueiro, estival e carnavalesco; ao passo que 2009 é anunciado como aquela segunda-feira que vai nos fazer pagar os pecados do dia anterior.
Na medida em que o mundo encolhe, o que é bem diferente de transformarse num todo uniforme, temos um problema . Sabemos mais dos outros mas, como compensação, temos muito mais para compreender e interpretar.
No passado, os eventos recebiam apenas uma estampa interpretativa: a nossa. Hoje, estamos diante de muitos mais fatos e, mais que isso, da consciência de que um mesmo evento tem muitos sentidos.
A consciência inevitável do mundo produz interpretações gerais e locais.
Um dos seus dilemas é saber que tudo pode ser lido tanto pela televisão a cabo, quanto pela vizinhança, pelo bairro onde as coisas acontecem.
O global não é apenas um padrão, uma mania ou um híbrido sem rosto. Ele é um conjunto de possibilidades interpretativas nas quais as vozes longínquas não podem mais ser emudecidas ou transformadas em sussurros. Ademais, tendo fechado o círculo sobre nós mesmos, ouvimos também os bramidos do planeta.
É como se o próprio teatro estivesse comunicando que não tolera mais o drama que nele se desenrola.
Fico comovido com essa luta pela personificação do tempo. Seja fazendo um inventário do que ocorreu de mais importante, seja destacando aquilo que os controladores da mídia assumem por consenso e impressão pessoal ter sido fundamental, diferente ou inovador. E nisso, permitamme os crentes, vai o nosso viés de progresso, pois a expectativa na qual fomos todos nutridos é a de que o ano 1000 foi pior do que 2000. Entre outras coisas porque não havia penicilina, televisão, computador, i-phone, metralhadoras, bombas atômicas, aviões a jato e outras cositas que o leitor pode ir enumerando; mas — devo ressaltar — já havia preconceito, inveja, desejo, ódio, sectarismo, ressentimento, exploração e violência.
Mudou? Certamente. É melhor viver numa democracia liberal do que numa monarquia despótica. Mas melhorou no sentido de controlar o mal que se esconde em nossos corações? O sentido do rito de passagem que hoje celebramos jaz na nobre (e vã) tentativa de empacotar alguma verdade e beleza. Ao congelar um período de tempo dando-lhe automaticamente início, meio e fim, cada qual balizado por algum acontecimento, pode-se ver um caminho a seguir ou bloquear. Que 2009 seja menos contraditório e permita continuar na ilusão de progresso que tem sido a nossa marca, avatar e apanágio. Os cerimoniais de folhinha confortam porque eles produzem a impressão de que este “2008” que hoje morre, e o novo ano de “2009” que nasce, permite devolver o tempo à caixa de Pandora de onde, dizem, jamais deveria ter saído.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2008
(5781)
-
▼
dezembro
(390)
- Clipping 31/12/2008
- ROBERTO DAMATTA - O último dia: o tempo em três te...
- CLÓVIS ROSSI O exílio de Eliot Ness
- Democracia em construção Fernando Rodrigues
- DITADURA EM DECLÍNIO EDITORIAL FOLHA DE S. PAULO
- A sucessão sem partidos Villas-Bôas Corrêa
- ACABOU EM PORTUGAL EDITORIAL FOLHA DE S. PAULO
- FALTA DESTRAVAR O INVESTIMENTO EDITORIAL O ESTADO ...
- Diplomas cubanos O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
- Gigolô da ignorância alheia por Ricardo Noblat
- Só pode ser alienação (Giulio Sanmartini)
- Clipping 30/12/2008
- GUERRA EM GAZA PIORA E CHEIRA MAL , de Nahum Sirotsky
- Celso Ming Os pinotes do petróleo
- Governo quer arrombar o cofre Vinicius Torres Freire
- "Falta austeridade para enfrentar a crise" Rubens ...
- Os grandes desafios de 2009 Maria Cristina Pinotti...
- LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Socorrer quem?
- FERNANDO RODRIGUES Terceira via para 2010
- George Vidor É possível Publicado
- Dinheiro fácil O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
- Ler é preciso Carlos Alberto Di Franco
- Pobres alunos, brancos e pobres... Sandra Cavalcanti
- Celso Ming Os jornais enfrentam o f...
- JOÃO UBALDO Admirável ano novo
- FERREIRA GULLAR Por falar em 1968
- DANUZA LEÃO Adeus, juventude
- VINICIUS TORRES FREIRE Os juros estão caindo e su...
- CLÓVIS ROSSI O horror e a ternura
- Defesa nacional Folha de S.Paulo EDITORIAL,
- Uma aventura cara O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
- Cores de um retrato em preto-e-branco Gaudêncio T...
- Os desafios de 2009 Paulo Renato Souza
- Suely Caldas- Adeus ano velho - e o novo?
- A lógica que regerá 2009 Yoshiaki Nakano
- A economia Madoff Paul Krugman
- Gol contra Alberto Dines
- "Meu sonho é criar uma Nações Unidas Religiosa", d...
- Celso Ming Encolhimento do mundo rico
- Ruy Fabiano - A nova Guerra do Paraguai
- FERNANDO RODRIGUES Congresso humilhado
- Miriam Leitão Produto Obama
- UM ALERTA PARA AS CONTAS DO TESOURO EDITORIAL O ES...
- LEGALIZAÇÃO DE MORADIAS EDITORIAL O ESTADO DE S. P...
- O FUNDO NASCEU DESFIGURADO EDITORIAL O ESTADO DE S...
- MENOS INFLAÇÃO EDITORIAL O GLOBO
- MÉXICO EM GUERRA EDITORIAL O GLOBO
- ‘DESLOGANDO’ DO PREFEITO CESAR MAIA EDITORIAL JORN...
- Homenagem às Sumidades -Maria Helena Rubinato
- CELSO MING A crise como vantagem
- O bom humor natalino do presidente Villas-Bôas Corrêa
- Clipping 26/12/2008
- Pânicos infundados e desastres inesperados
- FERNANDO GABEIRA Quem diria, 2008
- MERCADO DE TRABALHO ENCOLHE EDITORIAL O ESTADO DE ...
- TRABALHO ESCRAVO EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO
- PIORA DA BALANÇA COMERCIAL EDITORIAL O ESTADO DE S...
- SÃO PAULO INVESTE MAIS EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO
- NO DEVIDO LUGAR EDITORIAL O GLOBO
- MIRIAM LEITÃO - Debate ocioso
- MERVAL PEREIRA - Crises cíclicas
- A vida sem bolhas Paul Krugman
- Só quem trabalha pode pagar o almoço José Nêumanne
- Lula continua surfando em marolas Rolf Kuntz
- Augusto Nunes O Brasil quer saber quem é essa gente
- Somos todos keynesianos MARTIN WOLF
- Mudança abrupta Folha de S.Paulo EDITORIAL,
- Bons negócios para Sarkozy O Estado de S. Paulo ED...
- MIRIAM LEITÃO - Times mistos
- DEMÉTRIO MAGNOLI O jogo dos reféns
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG 2009 começa mal e . . .
- MERVAL PEREIRA - Dúvidas da crise
- NA ENCRUZILHADA ENTRE O CÉU E O INFERNO Nahum Siro...
- 11 vezes crise-Fernando Rodrigues,folha
- Clipping 24/12/2008
- Politicagem Merval Pereira
- CELSO MING Mais vitamina
- Míriam Leitão Natal secreto
- Dora Kramer A prova do retrovisor
- VEJA Carta ao Leitor
- MILLÔR
- Diogo Mainardi O ano da parábola
- Roberto Civita Sobre esquimós e larápios
- Eles não desistem
- Toyota breca na crise
- O coronel agora é dono do shopping
- Foco é ilusão burguesa
- A Semana Saúde De olho em benefícios
- Retrospectiva 2008 Economia
- Retrospectiva 2008 Brasil
- Retrospectiva 2008 -Internacional-De pernas para o ar
- Retrospectiva 2008 Inovações
- Retrospectiva 2008 Tecnologia
- Retrospectiva 2008 40 fatos
- Retrospectiva 2008 Memória
- Niall Ferguson 2009, o ano da Grande Repressão
- Bruce Scott Capitalismo não existe sem governo
- Jeffry Frieden Os Estados Unidos em seus dias de A...
- Zhiwu Chen Todo o poder ao consumidor
- Parag Khanna O gigante está vulnerável
-
▼
dezembro
(390)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA