O debate mais curioso no Brasil de hoje é se os juros vão cair na próxima reunião do Copom. Seria absurdo se não caíssem. O mundo mudou, a inflação está cedendo, o nível de atividade teve uma queda abrupta, vários países derrubaram os juros — a China pela quinta vez consecutiva — e nos Estados Unidos o juro é zero. O Brasil pode continuar com seus 13,75%?
É óbvio que os juros vão cair! Se não caírem será um espanto. Isso não tem nada a ver com suposta perda de independência do Banco Central. O Brasil tem cada discussão esquisita! O BC, ao longo do governo Lula, manteve sua autonomia, a mesma que veio do governo Fernando Henrique, com o Copom decidindo as taxas de juros, muitas vezes no sentido oposto do que várias alas do governo queriam.
Não foram pequenas as tentativas de interferir e politizar os juros, mas, na briga interna, sempre prevaleceu o entendimento de que esta é uma área para decisão técnica. E é por razões técnicas que os juros podem cair agora.
Olhando em volta: já reduziram os juros os EUA, a China, a Colômbia, o Japão, a África do Sul, a Coréia, Taiwan, a Suíça, a Inglaterra, o Canadá, a Nova Zelândia, a Austrália, a Índia, a República Tcheca, a Suécia, a Turquia, a Tailândia e o Vietnã, além da Zona do Euro. Subiram os juros a Rússia, que enfrenta um sério problema de fuga de capitais, a Islândia, que quebrou, e a Bulgária, que está pedindo socorro ao FMI.
As taxas brasileiras sempre foram gigantes e ainda estão entre as maiores do mundo. A recente elevação foi iniciada porque o mundo vivia um ambiente totalmente diferente do atual.
Naquela época, a inflação de alimentos, a disparada dos preços de commodities e os saltos nos preços do petróleo assustavam as economias. Todos os países estavam com taxas de inflação que eram o dobro do que tinham sido nos 12 meses anteriores. O risco era de inflação estourando o teto da meta este ano e no ano que vem.
Em alguns meses mudou tudo. O que era risco de inflação global virou medo de deflação. Esse risco não corremos, mas temos o lado bom, que é a diminuição da pressão inflacionária. Por outro lado, o Banco Central se preocupava com o ritmo do nível de atividade. Ele estava se acelerando muito, e isso, somado às pressões inflacionárias, levou o BC a iniciar o ciclo de aperto monetário.
Os dados do PIB no terceiro trimestre mostraram que o Banco Central tinha feito o diagnóstico correto sobre a aceleração forte da economia.
Crescer é bom, mas com aceleração da inflação, não.
No momento que decidiu subir os juros, o ciclo de aperto monetário fazia sentido, mas, agora, é hora de fazer o movimento inverso.
O próprio Banco Central está prevendo uma queda de 0,7% no PIB do quarto trimestre.
As duas variáveis mudaram: o país reduziu o ritmo de crescimento e a inflação está cedendo forte.
O risco é queda forte demais do nível de demanda, e por isso o BC passou os últimos meses injetando dinheiro do compulsório de volta aos bancos, para evitar a paralisia do mercado de crédito — ele não parou, mas quase. A verdade pode ser bem pior, porque houve uma concentração de créditos nas grandes empresas, da qual o superempréstimo da Caixa Econômica para a Petrobras, agora renovado e ampliado, é emblemático.
O desafio da conjuntura é evitar a queda excessiva do ritmo econômico, portanto, de redução de taxas de juros.
E a redução da inflação permite que isso possa ser feito com segurança. Criouse um novo patamar de juros no mundo. As taxas brasileiras ficaram ainda mais altas em relação aos outros países. Se o objetivo é atrair o capital arisco, que anda fugindo de todos os mercados emergentes, ter uma taxa de 13,75% ou 12% ou 11% não fará muita diferença, porque, se ele vier pelo diferencial de juros, qualquer desses números já dá um ganho extra. E se ele estiver indo embora por outros motivos, como a desvalorização cambial e a fuga para os títulos do Tesouro americano, para cobrir prejuízos, ele irá qualquer que seja a taxa. Quanto a nós, brasileiros, os grandes financiadores da dívida interna, não deixaremos de investir em renda fixa por essa diferença de taxa.
Os juros bancários são tão altos que uma queda da taxa Selic não fará diferença em relação ao crédito. Mas é importante, porque garante que o governo se financie a um custo menor, gaste menos com juros. Os bancos entesouraram a maior parte do dinheiro liberado do compulsório e, por isso, empresas e pessoas continuarão pagando juros altos.
É curioso ver as análises das vírgulas e minúcias da ata do Copom ou do relatório trimestral de inflação para as conclusões de que “aumentam as chances” de queda da taxa de juros. Ora, se o Banco Central não reduzir os juros na próxima reunião, estará tomado de um surto de alienação em relação a tudo o que acontece em volta, no país e no mundo.
O governo, incluindo aí também o Legislativo, está se comportando como se fosse a hora de aumentar os gastos de forma displicente.
Não parece entender os riscos que o país corre, e nem a forma de se aumentar gastos públicos num contexto recessivo. Mas isso o Banco Central não tem como controlar.
Entrevista:O Estado inteligente
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