Ao contrário do que apregoam o presidente e seus ministros, não estamos imunes à crise. Os principais indicadores econômicos mostram sinais contraditórios em relação à nossa capacidade de resistir a seus embates. No lado de nossas fortalezas, possuímos um nível alto de reservas cambiais e uma taxa de juros elevadíssima, pronta para ser reduzida significativamente. É curioso que essa última variável, tão criticável na política econômica do governo até o presente, possa vir a se transformar em valioso instrumento de estímulo à economia, se utilizada com propriedade e determinação a partir de agora. Do lado de nossas fraquezas, já temos um importante déficit em transações correntes - ao contrário da maioria dos países emergentes - e uma situação fiscal que é equilibrada apenas nas aparências. De fato, abaixo da superfície são claramente identificáveis graves problemas nas contas da União, em especial em suas projeções para o futuro imediato.
É temerário desprezar os sinais que já se manifestam. Apesar de termos sido, até agora, pouco impactados pela crise, nossa moeda foi a que teve a maior desvalorização em relação ao dólar entre todos os países emergentes nos últimos três meses. Isso sem que tenhamos sentido os rigores da crise. Como já destaquei neste mesmo espaço aberto, os seus efeitos mais importantes ainda estão por vir e chegarão pela redução de nossas exportações e queda na produção e no emprego domésticos, com efeitos perversos sobre a arrecadação pública, o que, aliás, já começa a ocorrer.
Dependendo da profundidade da crise, o governo e o Congresso serão chamados a debater formas de abrir espaço no Orçamento público para medidas clássicas antidepressivas que estimulam a atividade produtiva e a geração de empregos e que muitos países já começam a adotar: o investimento público e a redução de impostos. Não será tarefa fácil. Nossa vulnerabilidade fiscal foi criada e alimentada pela irresponsabilidade do governo federal e do próprio Congresso Nacional, ao propor e aprovar um sem-número de medidas que aumentaram de forma inflexível o gasto corrente do setor público. Apenas no presente ano, dezenas de milhares de cargos públicos foram criados e aumentos salariais foram concedidos com desdobramentos até o ano de 2011, como se a arrecadação federal continuasse a crescer de acordo com as elevadas taxas observadas nos últimos anos. Já hoje não são poucas as carreiras públicas em que os salários iniciais se situam bem acima dos praticados no mercado de trabalho em geral.
O País deverá debater outras questões vinculadas ao estímulo à geração ou manutenção de empregos. A flexibilização das relações de trabalho já começa a ocorrer no nível das empresas ou de setores econômicos específicos. Não creio que haverá clima para um debate amplo sobre o tema, que pudesse levar à modificação da legislação trabalhista. Já faria muito o Congresso, porém, se pelo menos se abstivesse de aprovar novas medidas que venham a tornar ainda mais rígidas as relações de trabalho. Numa época de crise essas medidas contribuiriam para aumentar o desemprego, ao contrário de seus propósitos declarados e ingênuos que buscam garantir a estabilidade no emprego.
Crise à parte, ou apesar dela, há dois temas gigantes já postos na agenda congressual para os próximos meses. Sabiamente, a Câmara postergou para 2009 a análise do projeto de reforma tributária. Em certo momento, parecia que o governo procuraria aprovar rapidamente e "no grito" um texto que poucos haviam lido e menos o haviam entendido. O substitutivo preparado pelo relator, que foi alardeado repetidamente como a panacéia capaz de solucionar todos os males de nosso sistema tributário, na medida em que foi sendo analisado e entendido por especialistas, mostrou seus defeitos irreparáveis por meio de meros ajustes pontuais. Ficou claro que, como um mercador de ilusões, o relator ofereceu a cada segmento interessado um "mimo" à custa do Tesouro da União e da própria estabilidade federativa, comprometendo gravemente a governabilidade do País a partir de 2010.
Tarefa das mais difíceis - se não impossível - será consertar esse texto. Tendo participado ativamente da Comissão Especial que o analisou, sendo voto vencido em quase todas as deliberações, não sou otimista a esse respeito. Melhor faria a Câmara se o abandonasse e buscasse uma nova alternativa mais simples e realista.
O segundo dos "novos" temas será a reforma política. A proposta que está em análise a meu ver é parcial e periférica em relação aos verdadeiros problemas que afetam nosso sistema político. Tratar apenas da reeleição e da extensão dos mandatos é pouco em face de temas maiores como o voto distrital e o financiamento das campanhas eleitorais. Entretanto, não tenho a esperança de que o atual governo tenha amplitude de visão e a postura estadista para liderar a aprovação de uma verdadeira reforma política. Por isso creio que o Congresso desta feita se limitará a analisar esses pontos menores. Fica a esperança de que o futuro governo, que se instalará em 2010, possa retomá-la com a dimensão que o País merece.