NOVA YORK. Ao contrário de indicar o fim do capitalismo, o estouro da bolha imobiliária que desencadeou a crise econômica e provocou a intervenção governamental de vários países no sistema financeiro internacional é uma repetição, turbinada pela globalização, do que vem acontecendo através dos anos, ciclicamente. No famoso livro “Manias, Pânicos e Crashes”, Charles Kindleberger e Robert Aliber listam dez bolhas financeiras através dos tempos, começando com a das tulipas, em 1637, e acabando com a bolha da tecnologia, no final dos anos 1990. A atual onda de críticas à ganância de Wall Street tem também precedentes, quando a desregulamentação excessiva levou à especulação financeira exacerbada, mas benéfica para a produção de riqueza. Houve também épocas de ação direta do governo, criando, no entanto, distorções no mercado.
Na introdução à edição de 1997 de seu clássico “The Great Crash, 1929”,(“O Grande Crash, 1929”) o economista John Kenneth Galbraith foi premonitório: sempre que você ouvir alguém de Washington garantir que “os fundamentos da economia estão sólidos”, saiba que alguma coisa está errada, avisou.
Ele atribuía a longevidade de seu livro, publicado pela primeira vez em 1955, principalmente ao fato de que sempre está ocorrendo uma crise financeira ou o estouro de uma bolha que reacende o interesse pelo grande caso da era moderna de crescimento e colapso econômico, que levou a uma “inesquecível” recessão.
Galbraith dizia que não fazia previsões, apenas constatava que o fenômeno se repetia desde 1637, quando especuladores holandeses viram nas tulipas uma estrada mágica para a fortuna. Talvez tenha sido otimista ao escrever, naquela ocasião, que uma próxima crise não teria conseqüências tão graves quanto as de 1929, mas não teve dúvidas de prever que uma recessão seria provável em caso de nova crise.
Todas as crises econômicas dos últimos tempos tiveram origem nos financiamentos imobiliários, com reflexos nas ações da Bolsa de Valores, seja no Japão, na Finlândia, Noruega e Suécia, de 1985 a 1989, seja em países asiáticos como Tailândia e Malásia, entre 1992 e 1997, ou a bolha da internet nos Estados Unidos.
A máxima marxista de que a economia determina a política, popularizada na frase do marqueteiro James Carville “É a economia, estúpido”, justificando a vitória de Clinton em 1992, está cada vez mais em voga hoje com a crise econômica internacional.
Talvez tocados pelo espírito de Natal, dois grandes articulistas trataram do assunto recentemente sob a ótica das visões moralistas da crise, uma relação que vem sendo muito examinada neste período de dificuldades que desencadeia sentimentos de culpa e acusações de ganância.
Os dois consideram o capitalismo e a democracia elementos associados. Martin Wolf, do “Financial Times”, ecoando o economista inglês John Maynard Keynes, adverte, porém, que não devemos tratar a economia com moralismos, mas com visão técnica, já que os mercados não são “nem infalíveis nem dispensáveis”, e sim “o reforço de uma economia produtiva e liberdade individual”.
Já o sociólogo Mariano Grondona, no “La Nácion”, de Buenos Aires, diz que “tanto na política quanto na economia, quando o dinheiro se instala no alto da escala de valores, o que surge não é nem capitalismo nem democracia, mas suas máscaras grosseiras”.
A mesma discussão desencadeada hoje já houve em 1930, lembra Wolf, quando duas posições ideológicas se opunham: uns queriam “purgar” os excessos do capitalismo, outros queriam substituí-lo pelo socialismo, e uma visão religiosa dominava o debate.
Na análise de Grondona, não estamos assistindo ao fim do capitalismo, mas sim a “um esquecimento perigoso de seus fundamentos morais”.
Para ele, diante da voracidade do mercado, ficam esquecidos “o respeito à palavra empenhada, a santidade dos contratos, o valor da poupança ante os gastos, a ganância instantânea do esforço do trabalho”, valores que hoje correm perigo.
A receita, diz ele, não seria abandonar o capitalismo, mas ao contrário, voltar às suas fontes originais. O sociólogo argentino faz um paralelo do capitalismo com a democracia, que classifica de “outro grande componente moral de nosso mundo”.
A democracia, diz Mariano Grondona, tem origem em uma ética exigente nascida de uma tradição mais antiga que o capitalismo, a ética do cidadão que Péricles exaltou há mais de dois mil anos.
Tanto Grondona quanto Martin Wolf fazem paralelos entre a eleição de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos e o momento atual, só que de maneiras opostas. Para Wolf, a eleição de Obama representa uma posição pragmática do eleitor americano para enfrentar a crise econômica com a melhor opção.
Para Grondona, a eleição de Obama fez muita gente voltar a acreditar na democracia, cujos princípios morais mais altos foram recuperados durante a campanha eleitoral.
O argentino é mais pessimista em relação ao momento atual do mundo, onde faltaria o elemento básico tanto para a democracia quanto para o capitalismo: a integridade.
O cidadão íntegro, ressalta Grondona, não está contaminado, e , quando isso acontece, no máximo de sua escala de valores estão o patriotismo no político, e o trabalho na economia.
Quando esses valores perdem a importância, o dinheiro ocupa o vácuo e torna-se um usurpador dos valores da sociedade, vira um ídolo.
Que o próximo ano não seja tão ruim quanto está parecendo. A coluna voltará a ser publicada na terça-feira dia 6 de janeiro.
Entrevista:O Estado inteligente
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