O ESTADO DE S. PAULO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua prometendo um crescimento econômico de pelo menos 4% em 2009. Ele fala sobre o assunto com a mesma segurança de quando se referia à crise financeira como problema dos americanos ou como simples marolinha para o Brasil. A expansão dependerá, segundo ele, da persistência dos consumidores e da manutenção de um bom fluxo de investimentos produtivos, incluídas neste grupo as obras de infra-estrutura. O governo, garante o presidente, cuidará de sua parte, realizando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, já mencionou até uma possível ampliação do programa. Para cumprir o atual, o governo já precisaria de muito mais competência do que tem mostrado.
Toda essa conversa envolve um pressuposto aparentemente simples e seguro: com base no mercado interno, o País poderá crescer quase tanto quanto cresceu nos últimos dois ou três anos. Mas o ritmo de crescimento é apenas um dos componentes do problema - e não é necessariamente o mais complicado.
A diferença entre a aposta de Lula e a projeção do Banco Central (BC) para 2009 não está somente nas taxas de crescimento atribuídas ao Produto Interno Bruto (PIB). O presidente fala em 4%, o pessoal do BC estima 3,2%. Os jornais chamam a atenção para essa divergência, mas esse não é o ponto mais importante.
Para os economistas do BC, uma expansão econômica de 3,2% virá associada a uma inflação de 4,7% - muito perto do centro da meta, portanto - e a um déficit de US$ 25 bilhões na conta corrente do balanço de pagamentos.
Nesse mesmo conjunto, o consumo das famílias aumentará 3,9% e o do governo, 2,2%. Serão números muito mais modestos que os estimados para 2008, 6,2% e 5,1%, respectivamente. O quadro inclui duas outras associações importantes. O descompasso entre a demanda total e a oferta será menor e isso reduzirá as pressões sobre os preços. Do lado externo, diminuirão não só as exportações de bens e serviços, mas também as importações. As despesas externas serão menores graças à menor demanda interna e ao dólar mais caro.
Um crescimento econômico maior, baseado no mercado interno, afetará todas essas variáveis e combinações. Quais são os pressupostos por trás da aposta de Lula e de seu ministro da Fazenda, Guido Mantega?
Para se projetar o balanço de pagamentos, será preciso levar em conta, para começar, a provável contração da demanda externa e preços de commodities mais baixos que os de 2007 e 2008. A receita de exportações poderá ser afetada tanto pela quantidade quanto pelo valor dos produtos vendidos. No sentido oposto, as importações dependerão, em grande parte, da evolução da demanda interna. Receita e despesa também refletirão, naturalmente, o câmbio desvalorizado.
Nas contas do BC, as exportações de bens diminuirão 3,5%, de US$ 200 bilhões para US$ 193 bilhões, e as importações ainda subirão 1,4%, de US$ 176,5 bilhões para US$ 179 bilhões. O resultado será um superávit comercial de US$ 14 bilhões, US$ 8,5 bilhões inferior ao estimado para este ano. Como ficará esse quadro, se a demanda interna crescer o suficiente para o PIB aumentar 4%?
O pessoal do BC também projeta uma redução de US$ 56,4 bilhões para US$ 41,5 bilhões no déficit de serviços e rendas, decorrente de fatores como a depreciação cambial e a rentabilidade menor das empresas. As transferências correntes, formadas em grande parte pelo dinheiro enviado por brasileiros no exterior, deverão diminuir de US$ 4,1 bilhões para US$ 2,1 bilhões.
Somadas todas essas contas, o déficit em transações correntes encolherá dos US$ 29,6 bilhões, estimados para 2008, para US$ 25 bilhões em 2009. Os cálculos do mercado financeiro apontam, por enquanto, déficits de US$ 36,1 bilhões neste ano e de US$ 30,2 bilhões no próximo.
Para o BC, o investimento estrangeiro direto passará de US$ 40 bilhões para US$ 30 bilhões e será suficiente, portanto, para cobrir com alguma sobra o buraco na conta corrente. Para o mercado, a entrada líquida, também estimada em US$ 30 bilhões, ficará pouco abaixo do valor necessário. As duas estimativas poderão revelar-se otimistas, se o aperto no mundo rico for mais forte do que se prevê. Mas há outro detalhe importante: o mercado projeta para 2009 um crescimento econômico abaixo de 3%. Novamente a pergunta: como ficam esses cálculos quando se desenha um PIB 4% maior que o de 2008? Mais aritmética e menos voluntarismo no Planalto seriam bem-vindos.
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