Entrevista:O Estado inteligente
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sábado, dezembro 27, 2008
O FUNDO NASCEU DESFIGURADO EDITORIAL O ESTADO DE S. PAULO
27/12/2008
O governo resolveu lançar títulos da dívida pública para abastecer o Fundo Soberano do Brasil (FSB), concebido em hora imprópria e dado à luz sob o signo da improvisação. Para legalizar a operação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, inovaram a arte do malabarismo, alterando uma lei no momento de sua publicação. O Diário Oficial da União publicou na mesma edição, um dia depois do Natal, a Lei nº 11.887, de criação do FSB, e a Medida Provisória (MP) nº 452, com a mudança de dois dos artigos da lei. Foi um truque provavelmente sem precedente mesmo na história da República Federativa do Brasil.
O Fundo Soberano destina-se oficialmente a promover investimentos dentro e fora do Brasil, a formar poupança pública, a “mitigar efeitos dos ciclos econômicos e a fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior”. Deveria ser posto em funcionamento com R$ 14,2 bilhões postos de lado pelo governo como um excedente do superávit primário programado para 2008. Isso dependeria da abertura de um crédito orçamentário, por meio de lei específica. Mas a oposição obstruiu a votação dessa segunda lei.
Uma solução de risco seria a abertura do crédito, antes do fim do ano e do exercício fiscal, por meio de uma MP. O governo usou esse expediente noutras ocasiões, mas a Constituição proíbe a abertura de créditos orçamentários por MP, exceto em casos de emergência, como guerras ou calamidades públicas. O STF já confirmou a interpretação estrita da Constituição e o Executivo decidiu tomar outro caminho. Se nada mais acontecer, aqueles R$ 14,2 bilhões ficarão no Tesouro até o fim do ano e serão destinados ao pagamento de juros.
A saída, para o Executivo, foi autorizar o Tesouro, por MP, a emitir papéis da dívida pública “sob a forma de colocação direta a favor do FSB”. Essa faculdade será usada, presumivelmente, até uma lei específica abrir um crédito no Orçamento de 2009. Nesse caso, o Tesouro poderá resgatar esses títulos antecipadamente, a valor de mercado. Para isso, foi preciso mudar a Lei nº 11.887. O truque foi completado com a inclusão explícita dos títulos da dívida mobiliária na lista de recursos aplicáveis no FSB.
Segundo a versão original da Lei nº 11.887, o FSB poderá dispor de recursos do Tesouro Nacional consignados no Orçamento da União. Também, segundo a versão original, o governo pode incluir nesse bolo recursos provenientes da emissão de títulos. Fica a pergunta: a exigência de consignação no Orçamento deixará de valer para os papéis emitidos com base na MP 452?
A mudança é mais clara quanto a outro ponto: a MP permite o uso de recursos decorrentes da emissão de títulos para integralização das cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE). Este fundo será constituído por instituição financeira federal e ficará encarregado de aplicar o dinheiro do FSB. O texto original da Lei nº 11.887 proibia a emissão de títulos para integralização de cotas do FFIE.
A MP desfigurou normas importantes do Fundo Soberano antes mesmo de sua oficialização. A lei já saiu alterada no Diário Oficial do dia 26 e com esse truque o Executivo tentou ganhar graus de liberdade não concedidos pelos congressistas.
Dirigentes da oposição prometeram recorrer ao STF. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), acusou o Executivo de “driblar e reduzir o tamanho do Congresso”. Mas é necessária uma acusação mais específica para derrubar a MP. Segundo o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), a MP autoriza a emissão de dívida não prevista no Orçamento. Além disso, ele classifica como “desrespeito ao Congresso” a decisão de mudar a Lei nº 11.887 por meio de uma MP.
Se a oposição agir com a competência demonstrada durante a tramitação e a votação do projeto de criação do Fundo Soberano, o presidente da República e seus ministros da área econômica poderão ficar tranqüilos.
Uma oposição mais empenhada em cumprir seu papel teria trabalhado muito mais seriamente para derrubar aquele projeto, notoriamente inoportuno. Fundos soberanos são tipicamente mantidos por países com sólidos superávits nas contas públicas e no balanço de pagamentos. Não é o caso do Brasil. Neste país, um fundo desse tipo será mais um brinquedo perigoso nas mãos de quem mal consegue realizar os programas de tipo tradicional já incluídos no Orçamento.
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