Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 24, 2008

Zhiwu Chen Todo o poder ao consumidor


"Se o consumo interno chinês não aumenta, não é porque
os cidadãos têm aversão aos gastos. É porque a maioria
não tem nenhuma propriedade"

Paulo Vitale
VONTADE DE COMPRAR
Rua comercialem Xangai: o país é rico, falta enriquecer a população


O impacto da freada econômica global já é visível na China. Fábricas estão fechando, o que cria um sério problema no mercado de trabalho. Setores que vão da aviação ao varejo, passando pelos restaurantes, experimentam uma contração. Esses efeitos da crise não surpreendem, tendo em vista quão globalizada é a economia real chinesa. Mas também trazem oportunidades para que o país saia mais forte da tormenta.

Depois de trinta anos de crescimento acelerado, o modelo de desenvolvimento chinês, baseado em altas taxas de investimento e na exportação (que responde por 40% do PIB), tornou-se difícil de manter. Por isso, mesmo antes de a crise recrudescer nestes últimos meses, a China procurava a transição para um modelo de crescimento puxado pelo consumo interno. Trata-se, provavelmente, do teste mais complicado para o país desde o começo das reformas econômicas, em 1978. Se aproveitar o momento de pressão para tomar as medidas corretas, politicamente inviáveis em outras circunstâncias, a China porá sua economia numa trilha saudável para o longo prazo.

Citemos duas conseqüências positivas imediatamente acarretadas pela crise financeira. Primeiro, o preço da energia e da maioria das commodities caiu pela metade nos últimos três meses. Essa grande redução diminuiu o custo do próximo ciclo de crescimento chinês. Em segundo lugar, a China tem cerca de 2 trilhões de dólares de reservas estrangeiras, 600 bilhões dos quais, aproximadamente, em títulos do Tesouro americano e 400 bilhões em títulos garantidos por hipotecas e outros tipos de papel hoje direta ou indiretamente assegurados pelo governo dos Estados Unidos. Essas reservas se apreciaram em razão dos acontecimentos recentes. Em contraste, caíram as cotações de outros mercados de investimento, como os de títulos municipais, ações de empresas, petróleo, madeira ou cobre. Surgiu assim uma oportunidade rara para a China: diversificar suas reservas, comprando papéis de valor depreciado. Uma redistribuição sistemática de reservas deixará o país muito bem posicionado para o longo prazo.

Em novembro, o governo anunciou um plano de estímulo econômico de 586 bilhões de dólares para os próximos dois anos. O plano tem dez itens de despesa, entre os quais a construção ou a expansão de ferrovias, estradas, aeroportos, linhas de metrô e usinas nucleares. O mesmo governo promete investir nos sistemas de saúde pública, educação e moradia, bem como aumentar benefícios da seguridade social. Impostos de valor adicionado, que oneram o sistema produtivo em cada elo da cadeia, serão substituídos pela tributação da renda das empresas, ajudando a reduzir o impacto da crise sobre a economia real.

Essas medidas são apenas o começo. Se necessário, a China pode recorrer ao seu enorme superávit fiscal, à sua capacidade ociosa de endividamento e até mesmo aos ativos do governo. No primeiro semestre de 2008, o superávit fiscal chinês foi de 179 bilhões de dólares, 4,2% do PIB nacional. O montante da dívida pública é de 746 bilhões, 18% do PIB. Numa escala relativa, isso fica bem abaixo da proporção típica entre dívida e PIB, que é da ordem de 60% na maioria dos países desenvolvidos. A China pode fazer o que fez durante a crise financeira asiática de 1997-1998: levantar capital pela emissão de títulos da dívida pública e investir em infra-estrutura e projetos industriais. Mas o condão do gasto público para estimular o crescimento será menor desta vez do que na crise asiática. Depois da última década de crescimento acelerado, a China agora dispõe de infra-estrutura decente. Por essa razão, o plano de estímulo recém-anunciado padece de um defeito: está muito focado na infra-estrutura e se preocupa pouco em incentivar o consumo. Investimentos em infra-estrutura já não criarão tantos empregos a longo prazo. A China deve buscar novas maneiras de estimular o consumo doméstico.

Políticos têm discutido a idéia de reduzir impostos para famílias de baixa e média renda, mas a iniciativa esbarra em entraves operacionais encontrados em diferentes níveis do governo. Esses descontos tributários teriam efeitos imediatos e com alvo certo. Subsídios educacionais para estudantes pobres também deveriam ser incluídos entre as opções políticas futuras, para diminuir a necessidade de poupança das famílias. Vale a pena repetir: para transformar seu modelo econômico, a China deve mirar no consumo privado. E a menos que ocorram privatizações, sobretudo fundiárias, é difícil enxergar como qualquer esforço político resultará em transformação eficaz da atual estrutura econômica.

Se o consumo interno chinês não consegue se ampliar, não é porque os cidadãos têm aversão aos gastos. É porque a maioria não tem nenhuma propriedade, e não enriquece juntamente com o país. Segundo números oficiais, o volume de riqueza nas mãos do estado é o triplo da riqueza privada. Para a maioria dos consumidores, os salários são a única fonte de renda. Sem que se amplie o direito à propriedade privada, não haverá mais consumo. A pressão para que os indivíduos e famílias continuem poupando permanecerá elevada.

Nas últimas três décadas, conforme a economia tirou proveito da globalização e se manteve na via expressa do crescimento, não houve incentivos suficientes para que a China distribuísse a riqueza estatal entre seu 1,3 bilhão de habitantes. Sim, houve privatizações, mas apenas pela venda de ações de companhias públicas a um preço alto. Poucos puderam participar – e todo o produto das vendas foi parar nos cofres do Ministério das Finanças. Esse método de privatização teve efeito nulo sobre o nível de consumo nacional. A crise global oferece um novo estímulo para reformas. No fim de outubro, o governo central anunciou medidas de reforma agrária que permitirão aos lavradores negociar ou hipotecar direitos de uso da terra. O governo se esforçará para organizar mercados de títulos fundiários. Ainda que não se trate de privatização propriamente dita, esse é um passo considerável na direção correta. Pode enriquecer os camponeses e aumentar o consumo em todo o país.

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