"Em 2009, os países europeus vão registrar um
crescimento ou medíocre ou negativo, e um aumento
do endividamento público. As conseqüências de longo
prazo dependerão de fatores que estão fora
do controle de qualquer governo"
Patrice Latron/Corbis/Latinstock |
TRANQÜILIDADE SÓ NA SUPERFÍCIE Há vários cenários para o desenrolar da crise no continente, e nenhum é animador |
É sempre frustrante perguntar a um economista o que vai se passar no futuro. Na maioria das vezes, como resposta, ele se contentará em descrever o que acontece no presente, e em supor que as tendências vão se manter amanhã. Ou então ele se contentará em descrever os acontecimentos passados como se estivessem fadados a se repetir. Este artigo não abandona a tradição, por duas razões. Primeiro, porque houve tantas crises econômicas no passado que seria espantoso se a crise atual não apresentasse pontos de semelhança com, ao menos, uma delas. Em segundo lugar, há menos risco de se enganar descrevendo o passado que imaginando o futuro. A que se compara a crise econômica atual, no que diz respeito à Europa? Podemos distinguir diversos cenários:
• A crise se assemelha a outras recentes, como aquelas do começo dos anos 90 ou do começo dos anos 2000. Nessa versão, os países europeus atravessam uma recessão, com crescimento econômico negativo por um ano ou dois. O desemprego aumenta em toda parte. Governos tentam sustentar o nível de atividade econômica por meio de gastos: o déficit e a dívida pública crescem. Os setores automobilístico, financeiro e de construção civil são os que mais sofrem. Mas então a crise acaba e a economia volta a crescer.
• A segunda alternativa é a do "decênio perdido", experimentada pelo Japão na década de 90. Em vez de uma recessão seguida de retomada, o crescimento da economia européia fica em nível zero por diversos anos. Instituições financeiras continuam a falir e obrigam os governos a se endividar para ampará-las. Esses mesmos governos tentam aquecer a economia por meio de gastos públicos – e constroem pontes ou estradas de utilidade duvidosa. O endividamento estatal explode.
• O terceiro cenário é o da Europa dos anos 70. Faz lembrar, em certos aspectos, o anterior. A crise econômica se estende, a dívida e as despesas dos governos vão às alturas. A diferença é que o Banco Central Europeu afrouxa o controle da inflação, que chega a 5% ou 6% ao ano na zona do euro. A inflação tem o condão de reduzir o peso das dívidas e de induzir ao consumo (eu compro hoje porque sei que, amanhã, os preços estarão mais altos): em certas circunstâncias, pode ser um mal menor. Nesse cenário de inflação mais forte, o crescimento, no entanto, continua baixo.
• O quarto e último cenário não tem precedentes. Nessa versão apocalíptica, certos governos europeus não conseguem obter os capitais necessários para reanimar suas economias e seus bancos. Eles se avizinham da situação de inadimplência. Sua única saída é abandonar o euro e retornar às antigas moedas, fortemente desvalorizadas. Alguns desses países têm de recorrer ao FMI. A União Européia balança. Ressurgem barreiras protecionistas. A situação econômica faz lembrar perigosamente a dos anos 30.
Nenhum desses cenários é animador. Não vamos escapar de uma crise tão ampla sem alguns ferimentos. Algumas situações, no entanto, são mais inquietantes que outras. Teriam os governos europeus os meios para fazer com que o futuro se aproxime dos panoramas mais amenos? Há razões para duvidar. Até agora, eles agiram como se a crise atual fosse a do primeiro cenário: lançaram mão de planos temporários de socorro, freqüentemente limitados e com medidas destinadas a induzir a formação de preços. A Comissão Européia procurou reaquecer a economia do continente por meio de despesas públicas de 1,5% do seu PIB. O exame desses gastos mostra, no entanto, que eles já estavam programados – e não terão efeito notável. O ministro alemão da Economia até mesmo se declarou hostil a qualquer plano de emergência local. É que a Alemanha, forte nas exportações, espera beneficiar-se dos planos de retomada de seus vizinhos sem ter de mexer um dedo. O país talvez mude de opinião em alguns meses – tarde demais.
Acima de tudo, muitos fatores essenciais estão fora do controle dos governos europeus. Em 2009, tanto eles quanto os Estados Unidos farão crescer muito suas dívidas públicas. Será que os mercados financeiros internacionais terão capacidade de absorver todos esses títulos de dívida pública a um preço razoável para os governos que os emitem? Ninguém sabe. Na Europa, para que a economia se reaqueça por meio de gastos governamentais, é preciso que esses gastos sejam coordenados, dado o grau de integração entre os países. Essa coordenação está ausente no momento e a experiência mostra que é difícil de atingir, exigindo muito tempo e muita negociação. Quanto ao cenário "inflacionista", ele depende da atitude do Banco Central, independentemente dos governos e com mandato exclusivo para cuidar da estabilidade dos preços. Portanto, recorrer à inflação exigiria novamente uma vontade unânime, difícil de alcançar.
Quanto ao restante do mundo, a Europa não se encontra em posição de independência. Se os Estados Unidos entrarem numa recessão violenta, a economia européia será afetada. Se os países asiáticos, e particularmente a China, desvalorizarem suas moedas para aumentar suas exportações, o efeito dos gastos públicos sobre a demanda será reduzido, pois ela vai se direcionar aos produtos importados.
A retomada da atividade econômica na Europa depende de uma mudança de atitude das empresas e instituições financeiras. A crise atual decorre em boa parte da relutância dessas últimas em assumir quaisquer riscos para investir ou emprestar. Enquanto se espera uma mudança de atitude, as políticas públicas podem apenas limitar as conseqüências negativas do terremoto. O problema é que mudanças de comportamento não acontecem por decreto.
Por tudo isso, em 2009 os países europeus vão registrar um crescimento ou medíocre ou negativo, e um aumento do endividamento público. As conseqüências de longo prazo dependerão de fatores que, em boa medida, estão fora do controle de qualquer governo. Os países europeus não são donos do próprio destino.