Só um dos 28 parágrafos da Declaração Conjunta dos presidentes do Brasil e do Conselho da UE menciona a discussão de um acordo entre o bloco europeu e o Mercosul: "Ambas as partes reiteram sua disposição de retomar as negociações" - só isso, nada mais sério. Acordo comercial com o Brasil, nem pensar. Os negociadores europeus só têm mandato para tratar do assunto com o Mercosul, e o presidente da Comissão Européia, o português José Manuel Durão Barroso, não iria além disso. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se mostra incomodado com isso.
Ele rejeita a hipótese de abandonar a união aduaneira do Mercosul para buscar acordos de livre-comércio de interesse do Brasil - até porque ele não parece conceber o Brasil como um país com interesses próprios e independentes de seus parceiros sul-americanos.
Como o Brasil é o país menos influente no Mercosul, as discussões com a União Européia continuarão a depender do governante argentino, do novo presidente paraguaio e, em breve, do líder bolivariano Hugo Chávez. Empresários brasileiros participantes do encontro com os europeus defenderam a independência do Brasil em relação ao Mercosul, descrito como um peso. No dia seguinte, o presidente Lula os acusou de preconceituosos.
A Declaração Conjunta é um palavrório com muita declaração de boas intenções e quase nenhuma substância. Menciona-se, por exemplo, o compromisso do Brasil e da UE de promover o uso de biocombustíveis, mas não há uma única palavra sobre a abertura do mercado europeu ao etanol brasileiro.
No mesmo documento, os dois lados prometeram evitar novas medidas protecionistas e lamentaram a impossibilidade de concluir neste ano as negociações sobre os temas básicos da Rodada Doha. Mas isso todos os principais participantes das últimas discussões lamentaram. Quanto ao presidente Sarkozy, nunca deixou de pressionar o negociador da União Européia para limitar as concessões no comércio agrícola e defender o protecionismo desejado pelas organizações agrícolas da Europa. Seria uma surpresa se o presidente francês mudasse de atitude agora e passasse a defender uma efetiva liberalização do comércio agrícola. Só o presidente Lula parece levar a sério essa possibilidade.
Lula e Sarkozy repetiram em dueto a cantilena contra a especulação financeira e a favor da maior regulação do mercado. Prometeram aliar-se no G-20 financeiro (formado pelas maiores economias desenvolvidas e emergentes) para defender uma nova arquitetura para as finanças globais. A aliança, naturalmente, é contra a influência do governo americano.
O acordo com a França pouco representa, em termos práticos, para o Brasil, porque o país não dispõe de um sistema financeiro tão grande e tão globalizado quanto o das maiores economias desenvolvidas. Mas o apoio de um grande emergente pode ter alguma utilidade política para um governo francês empenhado, quase invariavelmente, em se afirmar perante o poderio americano.
Quanto à aliança a favor de uma renovação do papel do Fundo Monetário Internacional (FMI), nada acrescenta ao já combinado. Lula não conhece muito sobre o assunto e Sarkozy não é propriamente um especialista. Mas ele é o responsável pela indicação do também francês Dominique Strauss-Kahn para a chefia do FMI, há mais de um ano. Além disso, o comitê político mais importante do Fundo já recomendou a ampliação de suas funções de monitoramento e supervisão. O G-20, na recente reunião de Washington, reforçou a idéia. Em economia internacional, Lula se satisfaz com pouco.