Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 13, 2008

O bom exemplo das escolas públicas de Brasília

A aula favorita

Os alunos das escolas públicas do Distrito Federal agora
aprendem ciências na prática – e adoram a disciplina


Camila Pereira

Ana Araujo
Estudar é bom
Diversão com as experiências: eles querem ser cientistas

Os animados estudantes na foto acima são raridade no Brasil. Aos 8 anos, perguntados sobre o que mais os diverte na escola, não hesitam: "Ciências, ciências!". Num país em que tantos alunos repudiam as disciplinas exatas, o apreço dessas crianças pela matéria surpreende. Chama ainda mais atenção saber que tanta euforia se deve a algo tão simples: um armário repleto de tubos de ensaio e reagentes químicos, novidade na sala de aula. Na ausência de um laboratório, é lá que fica guardado o material para os experimentos. O projeto propicia algo inédito na vida dessas crianças. Pela primeira vez, elas, que estudam em escola pública, recebem aulas práticas de ciências até melhores do que as de bons colégios particulares. Algumas ouviram falar da matéria só agora. Na semana passada, os alunos da Escola Classe 41, encravada numa região pobre do Distrito Federal, eram apresentados ao conceito de densidade dos líquidos por meio da observação de detergente, mel e água em tubos de ensaio. Esculpiam ainda órgãos do corpo humano com massinha de modelar. Os mais velhos descobriam a diversidade das plantas no microscópio. O projeto, concebido por uma empresa inglesa especializada em educação, já foi implantado em escolas públicas de Salvador e Belo Horizonte e, em breve, chegará a países como a Argentina. A diferença, no caso de Brasília, é a extensão: todos os 311 000 alunos do ensino fundamental foram incluídos.

Jung Yeon/AFP
No topo do ranking
Ao contrário do que ocorre
no Brasil, na Coréia do Sul
laboratórios na escola são
a regra


Países que se destacam no ensino de ciências cultivam, há décadas, a tradição de aulas práticas. A observação dos fenômenos é condição fundamental para que as crianças desenvolvam gosto pela matéria e consigam avançar, segundo mostram as pesquisas. Por isso, os estudantes em tais países sempre superam os demais nos rankings internacionais. Todos os que aparecem nas últimas colocações, por sua vez, focam até hoje uma combinação fadada ao fracasso: a velha lousa aliada a muita decoreba. É o caso do Brasil, na 52ª colocação entre 57 países avaliados em ciências no ano passado. No Distrito Federal, evoluir nas disciplinas exatas tornou-se uma meta de governo: ainda que um pouco melhores do que a média brasileira, as notas dos estudantes são 10% piores que as dos alunos em países de bom ensino. Diz o secretário de Educação, José Luiz Valente: "Os minilaboratórios são uma chance de avanço rápido. Estamos, afinal, copiando o que já deu certo fora do Brasil".

Em nenhum outro lugar do país se importam hoje tantas idéias para a educação quanto no Distrito Federal. Elas despertam atenção por ser aplicadas ao mesmo tempo numa única rede de escolas. Além das aulas práticas de ciências, uma mudança crucial no sistema de escolha dos diretores pode pesar em favor do ensino. Eles passaram a ser selecionados por eleição direta – não mais por indicação política. Só podem entrar na disputa aqueles com boas notas numa prova oficial. Caso de Oldair José de Souza, diretor recém-empossado: "Nunca tive contatos no governo. Por indicação, jamais chegaria a diretor". Na posse, ele e os outros assinaram um contrato com a secretaria em que se comprometem a cumprir metas acadêmicas. Caso fracassem, ficam impedidos de se reeleger – bem-sucedidos, recebem como prêmio um bônus no salário, benefício estendido ao restante da equipe. Outro fator decisivo para o avanço na sala de aula diz respeito à jornada escolar. Como em países de ótimo ensino, o Distrito Federal resolveu implantar turno integral em todas as escolas públicas até 2010. Não é exatamente barato. Neste ano, os gastos com educação subiram 645 milhões de reais, em torno de 20%. A experiência mostra, no entanto, que as medidas vão ao ponto certo. "Investir em meritocracia e em mais aulas provou ser uma fórmula bastante eficiente", diz o especialista Claudio de Moura Castro.

Ana Araujo
Sem indicação
O diretor Oldair de Souza e sua vice:
o cargo veio depois de provas e
eleição direta


O Distrito Federal é um caso típico de como o dinheiro não é determinante para o sucesso acadêmico. Lá, a verba para a educação ombreia com a dos países mais ricos – e está muito além da média brasileira. Em nenhum outro lugar do Brasil o salário dos professores e o investimento nos alunos são tão altos (veja o quadro abaixo). Além do orçamento para a educação, como qualquer estado do país, o Distrito Federal é o único a contar com um fundo constitucional, que faz dobrar as verbas. Os resultados na sala de aula, entretanto, ainda são bem piores do que os alcançados por países que investem recursos semelhantes na educação, como Coréia do Sul e Finlândia. Os números lançam luz sobre o problema. Copiar o que já funciona sem a invenção de nada mirabolante é um primeiro passo para resolvê-lo. Na educação, os resultados levam tempo para aparecer. No entanto, estudantes como Bruno Guimarães e seus colegas já sinalizam pelo menos uma mudança positiva. Eles, que antes fugiam das aulas de ciências, hoje não desgrudam de um diário em que registram suas descobertas. "Na minha classe, todo mundo agora quer ser cientista", diz Bruno. Boa notícia para o Brasil.




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