O megapacote que levou os mercados à euforia levantará dúvidas quando começar a ser detalhado.
Por quanto o governo vai comprar os papéis podres? Pelo valor de face ou pelo que realmente valem? O Partido Democrata não tem alternativa a não ser apoiar o pacote, para não ser responsabilizado pela crise. O custo pode chegar a US$ 1,3 trilhão, 10% do PIB. Esta semana entrou para a História.
Quem olhar os números dos mercados esta semana não encontrará nada anormal.
No Brasil, por exemplo, a semana terminou positiva.
Na última sexta-feira, a Bolsa fechou em 52 mil pontos e, nesta, em 53 mil. A queda de 12% até quarta-feira foi mais que compensada pela alta. O Índice Dow Jones também fechou a semana melhor do que começou. Não haverá rastros nas estatísticas do pânico e da euforia, extremos de uma semana conturbada.
O que torna esta semana histórica é o quão perto o mundo esteve de um colapso e da temida crise sistêmica.
Além disso, é a semana em que os atuais governantes dos Estados Unidos assumiram uma dívida que será paga pelos filhos, netos e bisnetos dos atuais americanos, pensa o economista Ilan Goldfajn. Ele lembra que o paralelo histórico com a empresa que ficou com os rombos das instituições de poupança e empréstimo dos anos 80 é imprópria, porque naquela época as empresas quebraram. Agora, a maioria não quebrou. Aí, não pode ser a mesma tecnologia de separação de ativos em banco bom e banco podre.
Ao longo do fim de semana, os membros do Fed — o banco central americano — e do Tesouro vão detalhar o pacote de resgate. Dúvidas surgirão. Como estabelecer o preço para ativos que foram da supervalorização ao pó? Pelo valor de face ou com deságio? Quem vai estabelecer o deságio? Uma das razões pelas quais o Lehman não foi comprado é que os possíveis compradores acharam que os ativos estavam registrados no balanço por um preço acima do que realmente valiam. Se os papéis podres forem vendidos pelo preço que chegaram a ser negociados, as instituições terão que registrar as perdas em seus balanços.
Muitos já tinham sido postos a prejuízo, tanto que os bancos estão registrando prejuízos há vários trimestres, mas muito papel pode estar superavaliado. Se for comprar pelo valor de face, será uma conta impagável.
Nada é trivial. Não há a varinha de condão que apague todo o papelório podre nos ativos dos bancos, seguradoras, financiadores e corretoras. Tudo pode ser mais complexo do que o mercado pensou na sua vã euforia de ontem. O momento é sem precedentes, como disse o presidente George Bush, e as medidas serão sem precedentes. Então, estarão em teste. Se houver alguma reversão de expectativas no mercado, a volatilidade pode voltar. Agora, se este plano não der certo, vai ser difícil pensar no passo seguinte. Esta é a bala de prata, a bomba atômica, o vale-tudo: o governo assumirá todos os papéis podres e, palavras de Bush, “usando dinheiro do contribuinte em quantia vultosa”.
O economista Nouriel Roubini acha que não deveria ser criada uma instituição para sanear os bancos, mas para sanear as contas das pessoas físicas que não conseguissem pagar. Ele acha que o correto seria dar o desconto aos devedores das hipotecas e refinanciálos em pagamentos com prestações menores. Isto evitaria o moral hazard (a convicção de que todo risco é absorvido pelo governo) e eliminaria o risco de o governo pagar mais pelo que valem os ativos dos bancos.
Pode ser que esta fosse uma alternativa, e Roubini desenha seu plano com detalhes, mas o fato é que, prisioneiro da síndrome do pânico, o mercado ruiria levando de roldão tudo e todos.
Essa é a diferença de outros setores. Uma indústria, quando quebra, vitima seus credores, fornecedores, clientes.
Mas um banco, quando quebra, pelas intensas ligações entre todas as instituições, pode abalar a estrutura do sistema que é baseado em algo fluido: a confiança. Já estava havendo corrida bancária.
As interligações são tantas que é difícil separar os bancos saudáveis dos falidos.
A conexão entre as instituições torna impossível qualquer separação profilática.
Para se ter uma idéia, a Fannie Mae e a Freddie Mac carregavam títulos do Lehman.
Os bancos da China tinham emprestado para FM&FM. Os bancos regionais tinham imensos recursos na AIG. A AIG segurava os financiadores de imóveis e tinha como garantia as hipotecas. Enfim, a lista dos elos é interminável.
Por mais caro, contraditório e injusto que seja o plano, ele deve ser aprovado pelo Partido Democrata. Antes de anunciar que faria o plano, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, conversou com democratas e com o candidato Barack Obama. E os assustou bastante ao descrever o risco de nada fazer. A oposição vai cooperar porque, apesar de estar crescendo na crise, nada ganharia se ficasse responsável pelo apocalipse.
Mas há prazos para serem cumpridos e ritos a serem seguidos. A aprovação do pacote pode demorar. Há ainda o detalhamento do plano. Tudo pode provocar volatilidade neste mercado que oscila entre pânico e euforia com extrema facilidade, como se viu. Esta semana ficará para a História como aquela em que o mercado balançou sobre o abismo.
www.oglobo.com.br/miriamleitao
e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM LEONARDO ZANELLI
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2008
(5781)
-
▼
setembro
(500)
- Carlos Alberto Sardenberg
- do BLOG MIRIAM LEITÃO,
- Clipping do dia 30/09/2008
- Proer blindou o sistema bancário brasileiro
- O telefonema das 3h da manhã Paul Krugman
- Na contramão EDITORIAL O Globo
- Melhor prevenir EDITORIAL O Globo
- A segunda-feira negra
- Míriam Leitão - País sem governo
- Merval Pereira - A revolta dos conservadores
- Dora Kramer - Conversa de mudos
- Luiz Garcia - Dois chatos:McCain e Obama.
- Celso Ming - Prevaleceu o eleitoreiro
- Gustavo Loyola, "Voltamos para a estaca zero"
- Está tudo errado, diz Fernandes
- A grande mentira - Reinaldo Azevedo
- Crescer não é mais prioridade, diz Armínio
- Plano de ajuda não passa: um erro brutal nos EUA
- BRASIL JÁ PAGA A CONTA DA CRISE
- Alex, Fátima e a crise americana
- Clipping do dia 29/09/2008
- Clipping do dia 28/09/2008
- Clipping do dia 27/09/2008
- Vítimas Denis Lerrer Rosenfield
- Tempo perdido EDITORIAL O Globo
- Poucos arranhões - George Vidor
- Brincar com fogo Editorial Correio Braziliense
- A volta a Keynes e a insanidade dos mercados
- A febre demarcatória editorial O Estado de S. Paulo
- Folha ENTREVISTA - GILMAR MENDES
- A popularidade é um engodo (Giulio Sanmartini)
- Congresso dos Estados Unidos muda pacote para prot...
- Equador: Correa a caminho da ditadura
- Folha ENTREVISTA HENRIQUE MEIRELLES
- MARCOS LISBOA A crise e a reação
- FERREIRA GULLAR
- DANUZA LEÃO
- Nós e as crises Miriam Leitão
- Erro de prioridade
- Sabor de derrota Merval Pereira
- Mariano Grondona El largo viaje de la emulación al...
- Joaquín Morales Solá | Tejer y destejer en Nueva York
- João Ubaldo Ribeiro Não somos todos burros
- Daniel Piza
- Remover escombros Celso Ming
- Sindicatos ricos e fracos Suely Caldas*
- ''Caros amigos do Iraque, acordem!''Thomas F. Frie...
- Desempate vale o tri Dora Kramer
- O aumento da arrecadação federal
- O tiroteio na batalha final Gaudêncio Torquato
- A federalização do ensino básico Paulo Renato Souza
- Oportunidade na crise
- Putin se serve de Chávez
- Augusto Nunes-SETE DIAS
- Política é o caminho das águas - Antonio Carlos Ri...
- Lula e o escrivão -Ruy FABIANO
- Erros do pacote Miriam Leitão
- À beira do precipício Merval Pereira
- O que vem antes do pré-sal
- O pré-sal, a riqueza nacional e o PIB Paulo R. Ha...
- Capital para a Petrobrás Celso Ming
- O peso do contrapeso Dora Kramer
- VEJA Carta ao leitor
- VEJA Entrevista Joyce Pascowitch
- Diogo Mainardi Os americanos sempre ganham
- J.R. Guzzo
- LYA LUFT
- MIllÔR
- RADAR
- Gustavo Ioschpe
- Crise: o pacote salvador do governo americano
- Especial-Entrevista: Dominique Strauss-Kahn
- Dicionário da crise
- O novo papel do estado e a falta de liderança
- Agências de risco erraram feio
- Famílias perdem o teto
- A crise chegou ao luxo
- Nassim Taleb: contra a futurologia
- As escutas telefônicas da PF
- Recife Favorito é acusado de abuso de poder
- Porto Alegre Três mulheres contra o prefeito
- O governo contra a liberdade de imprensa
- Direitos humanos Entrevista com José Miguel Vivanco
- O populismo dos vizinhos inconvenientes
- De onde vem a inspiração dos assassinos
- África do Sul Lideranças decadentes
- Aids: a infecção entre jovens
- Washington Olivetto e o primeiro sutiã
- Gente
- A volta do coque
- O celular do Google
- O Brasil começa a levar a sério a força eólica
- Os benefícios da ioga para as crianças
- A vida festeira da família Dellal
- O bê-á-bá dos rankings
- A escolha da escola: faça as perguntas certas
- As melhores universidades
- Le Carré e o serviço secreto britânico
- Uma mostra fabulosa de Van Gogh
- Lua Nova, de Stephenie Meyer
-
▼
setembro
(500)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA