O presidente da Câmara dos Deputados diz que
o terceiro mandato seria um desastre e que o
Parlamento já começou a recuperar uma boa imagem
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Otávio Cabral
| Cristiano Mariz | "O problema é que essas crises constantes vão deixando marcas, cicatrizes. A população perde a confiança na instituição" |
A imagem dos congressistas enfrenta um crônico processo de desgaste. Nos últimos anos, o deputado Arlindo Chinaglia, do PT de São Paulo, assistiu de perto aos episódios protagonizados por parlamentares que constrangeram a população e acabaram por arrastar seu partido para a vala comum dos maus costumes da política. Em 2004, quando apareceu um vídeo do petista Waldomiro Diniz pedindo propina a um empresário de jogos, Chinaglia era líder do PT na Câmara. No ano seguinte, explodiu o escândalo do mensalão, que revelou uma impressionante rede de corrupção montada pelo PT para subornar parlamentares. Chinaglia ocupava, então, o posto de líder do governo. No ano passado, o deputado elegeu-se presidente da Câmara. Não houve escândalo nesse período, mas Chinaglia acabou herdando as conseqüências do passado. Durante sete meses, a Câmara dos Deputados não votou um único projeto, impedida pelo excesso de medidas provisórias enviadas pelo governo – problema que começou a ser solucionado na semana passada. Chinaglia acha que o pior já passou. Em entrevista a VEJA, ele fala sobre as dificuldades do Congresso, analisa a popularidade do governo, afirma que considera um desastre a idéia do terceiro mandato para o presidente Lula e diz que o PT perdeu a bandeira da ética.
Veja – O presidente do Senado, Garibaldi Alves, afirmou que o Congresso está na UTI graças aos escândalos de corrupção e à paralisia decorrente das medidas provisórias. O senhor concorda?
Chinaglia – Se compararmos os momentos pelos quais a Câmara passou recentemente com os dias atuais, eu não acho que esteja na UTI. O problema é que essas crises constantes vão deixando marcas, vão deixando cicatrizes. A população perde a confiança na instituição. A situação é difícil, mas o pior já passou.
Veja – O senhor fez da mudança nas regras das medidas provisórias sua bandeira de campanha. Mesmo assim, ainda não houve modificação na legislação e o governo continua abusando das MPs. Há possibilidade de alguma mudança ainda no seu mandato?
Chinaglia – Vamos votar a mudança do rito de tramitação, que prevê que as medidas provisórias não poderão mais trancar a pauta. Esse trancamento da pauta é nocivo. Desde o fim do ano passado, quando da tramitação da CPMF, a pauta esteve trancada por MPs. Foram sete meses de trancamento. Só agora conseguimos limpar a pauta e votar projetos vitais, como o pacote de segurança. Há um entendimento entre as bancadas da Câmara e do Senado para que o projeto seja aprovado neste ano. Farei de tudo para que essa mudança entre em vigor ainda na minha gestão.
Veja – Em sua avaliação, por que há esse abuso histórico das medidas provisórias?
Chinaglia – O Executivo se tornou dependente das MPs. Quando o governo não quer que seja votada uma proposta, usa medidas provisórias para obstruir a pauta do Congresso. Mas elas também são muito úteis para o governo pela urgência, pois são uma via rápida de contraposição à tradicional procrastinação do Legislativo. No Congresso, qualquer que seja o tema, é preciso aprofundá-lo, aprimorá-lo, ouvir todos os lados para construir uma maioria. Já uma MP depende apenas de uma assinatura do presidente.
Veja – Outro ponto que desgasta a Câmara é a seqüência de escândalos envolvendo parlamentares. Na legislatura passada, houve o mensalão e os sanguessugas. Agora, surge o caso do deputado Paulinho da Força (PDT-SP), acusado de envolvimento com desvios no BNDES.
Chinaglia – Vou começar pelo caso que ficou conhecido como mensalão. Na medida em que deputados acabaram envolvidos naquele escândalo, a imagem da Câmara foi parar no chão. É uma situação perigosa, porque, se a população deixa de acreditar em um dos poderes, ela pode se decepcionar com o próprio processo democrático. Eu não trabalho com a hipótese de que a Câmara seja uma instituição perfeita. Não existe instituição perfeita. Mas isso não pode servir de desculpa para deixar que os erros persistam. É preciso sempre reagir. A Câmara vem tendo iniciativas que demonstram capacidade de reação.
Veja – O senhor está entre os petistas que insistem em afirmar que o mensalão não existiu?
Chinaglia – Se o mensalão for considerado um esquema de caixa dois envolvendo partidos políticos, é óbvio que existiu. Se disserem que foi uma mesada repassada mensalmente a deputados pelo governo, aí já não dá para afirmar que existiu. Esse repasse, apontado pelo Roberto Jefferson, nunca foi provado.
Veja – Quais as conseqüências do escândalo do mensalão para o PT?
Chinaglia – Foram profundamente ruins para a imagem do PT, que jamais vai se recuperar totalmente. O PT não tinha manchas em sua biografia. Evidentemente essa crise colocou o partido em um patamar diferente. Se algum petista tinha a presunção de dizer que só no PT havia gente honesta e preocupada com a ética, isso acabou. Essa arrogância acabou. A crise forçou todos no PT a ter uma atitude diferente. Um erro brutal e inadmissível foi misturar as finanças do PT com as das campanhas eleitorais. Isso não pode acontecer mais.
Veja – É senso comum que o sistema político é uma das causas da corrupção, mas nenhuma mudança concreta é feita.
Chinaglia – Na política, o manto da corrupção é o financiamento de campanha. Mas há outros elementos, como distribuição de cargos na máquina pública e fraudes no processo orçamentário. Os corruptos vivem aperfeiçoando seus métodos de desviar dinheiro público. Os poderes também precisam aperfeiçoar os mecanismos de combate às fraudes. Não vejo uma resposta acabada para o combate à corrupção. Recentemente, um prefeito foi preso com 1 milhão de reais em casa. Será que a população não percebeu o crescimento do patrimônio desse prefeito? A participação popular é essencial. É preciso fiscalizar, denunciar, estar vigilante. Essa é a melhor maneira de combater a corrupção.
Veja – Mesmo com tantos escândalos, o presidente Lula continua registrando altos índices de popularidade. Isso não revela uma tolerância da população com a corrupção?
Chinaglia – Lula era um mito antes de ser presidente. Ao assumir, optou por uma política econômica conservadora, sem deixar de lado as políticas sociais. O resultado veio na forma de emprego, de aumento salarial, de crédito, criando o efeito cascata. O comércio passou a vender mais; a indústria, a produzir mais; os profissionais autônomos, a ganhar mais. Ele comandou uma virada, e as pessoas agora sentem o benefício. É por isso que alguns defendem o terceiro mandato.
Veja – O senhor se inclui entre eles?
Chinaglia – Quem defende a permanência de Lula por mais quatro anos não é o PT, não é a classe política. É parte da população. Sou radicalmente contra e não conheço ninguém da direção nacional do PT que defenda o terceiro mandato. O próprio presidente da República já deu várias declarações contrárias à idéia. Essa proposta não existe politicamente, não vejo a mínima possibilidade de ela ir adiante. Há militantes do PT, deputados do PT que a defendem, mas não há setores organizados do partido ou do governo que queiram o terceiro mandato. O terceiro mandato é um desastre para a democracia. Não há a menor chance de prosperar.
Veja – O senhor não vê falhas no governo Lula?
Chinaglia – Os principais erros são políticos. Muitas vezes uma matéria de interesse do governo é votada no Congresso e tem ministro trabalhando contra, com posição diferente. Falta agilidade ao governo na relação política, o que passa a idéia de incapacidade de decisão.
Veja – O PT terá candidato próprio à sucessão de Lula?
Chinaglia – O PT terá candidato, e hoje o nome é o da ministra Dilma Rousseff. A razão é simples: se o presidente, como tudo indica, bancar a candidatura da Dilma, ela passará a ser o nome mais forte. É bom ressaltar, porém, que Lula ainda não disse que será a Dilma, apenas vem dando indícios a partir do reconhecimento do trabalho que ela faz no governo.
Veja – O senhor acredita na viabilidade eleitoral da ministra Dilma?
Chinaglia – Sem dúvida. Ela não tem tradição de eleição, mas pode superar esse problema. O Fernando Lugo (presidente eleito do Paraguai) também nunca tinha disputado uma eleição. A Dilma faz um bom trabalho em um governo altamente popular. O presidente altamente popular reconhece na Dilma a pessoa que reúne melhores condições de seguir seu trabalho. Isso é um apelo muito forte. Lula tem tudo para fazer de Dilma sua sucessora.
Veja – O caso do dossiê pode atrapalhar as pretensões políticas de Dilma Rousseff?
Chinaglia – Boa parte da oposição centrou fogo no dossiê para atingir a ministra e ela sobreviveu bem a esse primeiro tiroteio. É claro que, em uma disputa eleitoral, esse tema pode voltar a ser explorado. Porém, mais explorado do que foi a crise do mensalão em 2005 em cima do Lula não é possível. Se comparado ao escândalo do mensalão, esse dossiê não é nada, não chega nem perto de ser um problema.
Veja – Se a Dilma não deslanchar, é possível que o PT apóie um candidato de outro partido, como Ciro Gomes ou Aécio Neves?
Chinaglia – Não vejo possibilidade de o PT não ter candidato próprio à sucessão do presidente Lula. É uma posição amplamente majoritária – dentro do partido. Vamos buscar alianças com outros partidos, mas sempre com o PT encabeçando a chapa. Dependendo do quadro, no segundo turno poderemos apoiar outro partido. Hoje, não trabalho com a hipótese de o PT não ter candidato próprio.
Veja – Lula tem feito críticas ao Congresso, ao Tribunal de Contas, à oposição e ao Judiciário. Tem viajado para divulgar o PAC em eventos que lembram comícios e que são questionados na Justiça Eleitoral. Esse excesso de popularidade não pode ter como efeito colateral um desprezo aos demais poderes?
Chinaglia – Lula faz política 24 horas por dia. Ao se sentir forte, ele entra mais no debate. Se há alguém que sabe o peso que tem, esse alguém é Lula. Quando o PT quis que fosse candidato, ele soube jogar seu peso para impor suas posições, suas condições. Agora faz o mesmo. Recentemente, fez uma crítica pesada ao Tribunal Superior Eleitoral, que estava sob o comando do ministro Marco Aurélio Mello. Aquilo não foi ação, foi reação, porque o Marco Aurélio dissera antes que quem não estivesse satisfeito com o governo deveria entrar com ações na Justiça. O Congresso, ele já elogiou e já criticou. Lula tem um instinto de autopreservação muito grande. Não o vejo desprezando as instituições. Vejo-o fortalecido pela popularidade e fazendo valer suas posições.
Veja – O senhor reconhece que os bons resultados econômicos são responsáveis em boa parte pelo sucesso do governo. Por que os petistas insistem em pedir a cabeça do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles?
Chinaglia – Há uma vocação natural do PT de fazer pressão por mais desenvolvimento e mais crescimento. O Meirelles, justa ou injustamente, ficou marcado no partido como um obstáculo a esse desejo, um entrave ao crescimento do país. Sua saída não vai merecer aplausos no PT, mas vai criar a expectativa de que possibilite mais crescimento. Qualquer um no PT ou fora do PT pode discordar do Meirelles, pode desejar mudanças, mas não pode negar que ele teve participação relevante nos resultados do governo até agora.
Veja – O senhor é a favor da independência do Banco Central? Há possibilidade de esse projeto ser votado até o fim de sua gestão?
Chinaglia – O Banco Central pode ter independência operativa, mas precisa responder a um projeto político. Como é possível deixar a política macroeconômica, o poder de decidir questões centrais de um país, nas mãos de alguém que não foi eleito? Não acredito em Banco Central que tome decisões acima de um presidente da República. Ninguém comenta essa questão da independência do BC na Câmara; ela não é prioridade e não será votada.
Veja – A reforma tributária é prometida por todos os candidatos e é mandada ao Congresso por todos os governos, mas nunca sai do papel. Há alguma chance de que agora seja diferente?
Chinaglia – A reforma vai ser aprovada, com certeza. A comissão especial cumprirá o prazo regimental de quarenta sessões para analisá-la. Aí vai para a votação em plenário. Quem tem poder de colocá-la na pauta sou eu. E vou colocá-la. Isso eu garanto. Não estou dizendo isso por arrogância, mas para que os envolvidos não trabalhem com a idéia de que ela não será feita. Então, que todos se mobilizem para defender seus pontos de vista. Não contem com a omissão da Câmara.
Veja – Recentemente, os deputados tiveram aumento da verba de gabinete. Há duas semanas, foi proposto a eles um auxílio-funeral, que foi retirado da pauta devido à polêmica que levantou. A questão salarial dos parlamentares não merece mais transparência?
Chinaglia – Quando assumi, a estrutura de gastos da Câmara com o salário dos deputados já estava definida e não houve mudança. O ideal é que o teto do salário dos parlamentares seja igual ao dos ministros do Supremo. Não vou entrar na questão de qual deva ser o valor, mas o controle por parte da população seria infinitamente mais eficaz.
