Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 11, 2008

Suely Caldas Euforia fora de hora

"A inflação aleija, o câmbio mata", advertia o economista Mário Henrique Simonsen, lá pelos anos 1980/90, quando o País vivia graves e simultâneas crises. A inflação em disparada, o elevado déficit no balanço de pagamentos e o câmbio desvalorizado diariamente empurraram o Brasil para o abismo da moratória em 1986. Nos primeiros dias de 1995, quando o ex-presidente FHC acabara de tomar posse com o real ameaçado pela moratória do México, Simonsen repetiu o alerta em artigo publicado na revista Exame: "A inflação aleija, o câmbio mata." O governo FHC demorou, mas acabou corrigindo o câmbio em março, em confusa operação de desvalorização do real.

Se vivo fosse, certamente Simonsen estaria a reprisar o aviso agora. É verdade que os três momentos econômicos têm suas particularidades e o atual é mais confortável do que os anteriores. Afinal, há apenas dez dias o Brasil foi classificado com o grau de investimento. Mas o alerta serviria justamente para frear a euforia que dominou o governo desde então e que levou o Ministério da Fazenda ao caminho do ufanismo. Não pode ser outra a explicação para a idéia, ressuscitada esta semana, de criar o tal fundo soberano (palavra de apelo político muito ao agrado de governantes), quando o Brasil ainda não resolveu boa parte dos problemas que antecedem esse passo e, se não resolvê-los, o grau de investimento pode transformar-se em um sonho de noite de verão.

Desde o final do ano passado, duas fragilidades da economia pioram em ritmo acelerado - a inflação e o câmbio. Mas elas não passam de efeitos de um mal de origem que a gestão Lula se recusa a corrigir: o governo gasta mais do que pode. Nos últimos quatro anos os gastos têm crescido bem acima do PIB, quando deveriam, pelo menos, empatar. Quem tem uma dívida de mais de R$ 1 trilhão não pode se dar ao luxo de gastar, gastar, limitar-se a pagar juros e não pensar em reduzir o passivo. A relação dívida/PIB tem-se mantido entre 41% e 42% e o governo não dá nenhum sinal de que pretende reduzi-la.

Ao contrário, a idéia do fundo soberano vai é aumentar a dívida. O ministro Guido Mantega descartou usar as reservas cambiais para alimentar o fundo e disse que o dinheiro virá dos impostos. Ora, se a receita com impostos é insuficiente para pagar compromissos e dívida, o dinheiro só poderá vir de venda de papéis do governo e mais endividamento. Não há mágica.

Com a inflação, Mantega brinca perigosamente. Sua atitude tem sido de minimizar, menosprezar o problema, fingir que não existe. Na quinta-feira ele fez um raciocínio que lembra episódio do governo Médici, conhecido como inflação do chuchu: incomodado com o preço em alta, o então ministro Delfim Netto ordenou à FGV eliminar o chuchu do índice de inflação. "Tirando os alimentos, a inflação está abaixo de 3%", argumentou Mantega. Será que ele quer fazer mais do que Delfim e expurgar todos os alimentos dos índices? Desde meados do ano passado, a inflação tem subido rápida e progressivamente, sem recuos. Em 12 meses, terminados em abril, o IGP-DI, da FGV, já chegou a dois dígitos (10,24%) e o IGP-M, em 9,81%. Por reajustar contratos diversos na economia, entre eles aluguéis, o IGP-M acaba tendo efeito multiplicador no IPCA do IBGE, que mede a meta de inflação. Outro efeito multiplicador é do óleo diesel, usado no transporte de carga e que acaba de ser reajustado no varejo. Tudo isso é pressão futura sobre os preços e o ministro da Fazenda continua tratando do problema como se ele não existisse.

O longo período do dólar em queda aqui e no mundo levou nossas contas externas ao buraco. A forma abrupta e rápida em que se processa a queda nas receitas e no crescimento das despesas cambiais do País cria uma sensação de descontrole e risco com o que pode ocorrer em 2008.

Em março passado o País registrou o pior déficit em suas contas externas desde 1947; o balanço de pagamentos vai fechar no vermelho em 2008, depois de cinco anos de superávits; o saldo da balança comercial despencou de US$ 8,7 bilhões, no primeiro trimestre de 2007, para US$ 2,8 bilhões, em 2008; e até março empresas estrangeiras remeteram para suas matrizes US$ 8,662 bilhões, mais do que o dobro de 2007.

Diferentemente da Standard & Poor?s, as agências de risco Moody?s e Fitch dizem que o grau de investimento só virá quando o Brasil fortalecer suas finanças públicas e melhorar o perfil da dívida. Mas isso não preocupa Lula e Mantega. Eles querem é o fundo soberano

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