Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 11, 2008

Alberto Tamer Brasil está menos vulnerável

O preço do petróleo chegou a US$ 126 na sexta-feira, uma alta de 100% em 12 meses. E só tende a subir mais. Os analistas já admitem preços entre US$ 150 e US$ 200 porque o cenário externo não mudou e, no segundo semestre, as refinarias começam a refazer estoques para enfrentar o inverno no Hemisfério Norte.

Na verdade, tradicionalmente, este é um período de preços baixos, com as empresas ainda queimando os estoques remanescentes do inverno passado. Mas não é isso que está acontecendo por quatro motivos básicos: 1 - a demanda nos Estados Unidos e na Europa não se retraiu muito, apesar da desaceleração econômica. Além disso, aumentou o consumo dos países emergentes, principalmente China e Índia, seguido do Brasil; 2 - o segundo culpado, apontado nesta sexta-feira pelo ministro de petróleo do Irã, é a desvalorização do dólar; 3 - as tensões no Oriente Médio e na África; 4 - a especulação dos investidores que saíram do mercado financeiro para os fundos de commodities.

INFLAÇÃO SOBE COM PETRÓLEO

No fundo, são esses quatro fatores somados que estão provocando essa fantástica explosão dos preços, que se reflete diretamente na inflação. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou nesta semana o índice de inflação de seus países membros em março. O item energia subiu 13,2% em 12 meses. O Brasil é um caso isolado, o preço do petróleo pesa menos, pois está sendo subsidiado. O novo preço do petróleo, associado ao aumento do consumo, é uma das causas do aumento das commodities agrícolas no mundo, pois entra em todas as fases do plantio, da colheita mecânica e do transporte até os centros consumidores.

O BRASIL NOS TRÊS CHOQUES

Nesse cenário sombrio para a economia mundial em que os preços da energia se somam à crise financeira, o Brasil só não será mais duramente atingido se o governo e a Petrobrás continuarem não repassando toda a alta dos preços do petróleo, em dólares, para o mercado interno, em reais. É isso o que vem sendo feito, mas há um limite ao qual ambos, governo e Petrobrás, hesitam ultrapassar. Na verdade, os preços já estão indiretamente chegando aos consumidores. A Petrobrás vem segurando apenas os preços da gasolina e do óleo, mas não dos demais derivados, principalmente a nafta. Essa pesa terrivelmente nos preços dos fertilizantes, dos plásticos e de toda a indústria petroquímica.

Houve até agora três choques de petróleo. O de 1973, quando houve o boicote das exportações por causa da guerra em Israel. O choque de 1979, quando o Irã de Khomeini cancelou os contratos com petrolíferas americanas; os Estado Unidos reagiram e cancelaram todas as relações comerciais com Teerã. Em seguida, vieram as duas guerras do Iraque contra o Irã e a crise dos reféns americanos.

A partir da segunda metade, o preço voltou a afundar. Na crise, ele havia chegado a US$ 34 em 1981 (dez anos antes, era vendido por US$ 2) mas em 1986 despencou para US$ 8. Isso até levou o então vice-presidente George Bush, pai do atual, a viajar para o Oriente Médio e pedir à Opep que reduzisse as exportações, pois a receita obtida com os impostos que incidem sobre o consumo dos derivados de petróleo havia caído muito, afetando o equilíbrio fiscal americano. O terceiro é o choque atual, com o petróleo em US$ 120.

Temos de diferenciar esses choques e analisar as repercussões de cada um sobre o Brasil. O de 1979 e, principalmente, o de 1973 foram choques de oferta. Os preços subiram porque faltou petróleo. A cotação do barril passou de US$ 10,40 em 1975 para US$ 17,11 em 1979 e nada menos que US$ 30 em 1980. Foram choques de oferta, não de demanda. Nesses dois, o Brasil tinha que importar praticamente todo o petróleo que consumia.Hoje, não.

E CRIOU A DÍVIDA EXTERNA

O general Ernesto Geisel, primeiro na Petrobrás, e depois na Presidência do País, recusou-se a conter a demanda. Ao contrário, expandiu-a, enquanto na Inglaterra se andava de carroça (até a rainha!) e bicicleta. Entre 1979 e 1981, o Brasil fez um dívida externa de mais de US$ 60 bilhões, única e exclusivamente para comprar petróleo ao elevado preço do mercado spot.

Eu estava em Londres nessa época e vi o esforço do então embaixador Roberto Campos para conseguir financiamento para projetos que não iriam sair do papel, pois tinham como único objetivo justificar os empréstimos. O irônico nisso era que os países da Opep nos emprestavam os petrodólares, por meio de bancos ingleses, para que comprássemos o seu petróleo. E os dólares ficavam lá mesmo, na city. Só passavam a figurar como dívida do Brasil.

Alguns números absurdos: em 1980, o Brasil gastou US$ 19,5 bilhões na importação de petróleo e derivados; em 1981, foram US$ 22,8 bilhões; em 1982, quase US$ 20 bilhões.Tudo com os petrodólares emprestados pelos bancos de Londres. Era o preço da dependência de energia e de empréstimos.

Mais absurdo, ainda, é que em 1975 o mesmo general Geisel assinava um contrato bilionário com a Alemanha para instalar oito usinas nucleares (!) no Brasil, quando a nossa urgência era de energia elétrica - tínhamos todo o potencial hidrelétrico ainda por aproveitar - e sim de energia liquida, petróleo, álcool. Ele se aventurou ainda na loucura do xisto betuminoso para produzir petróleo, experiência logo abandonada, pois exigia a extração de enormes montanhas de minério.

Foi aí, exatamente aí, nos primeiros anos da década de 80 que o Brasil criou uma dívida monumental que somente agora, 28 anos depois, está podendo pagar! Todos os economistas com quem falei apontam o ano de 1980 como o início da derrocada e depois do desequilíbrio da economia brasileira.

Nesse choque estamos melhores. Não só porque produzimos praticamente o que consumimos, mas porque temos condições econômicas, financeiras e reservas cambiais melhores do que nos trágicos anos anteriores. Enquanto o mundo parava, o Brasil, com inflação e dívida, cresceu até 10% para afundar pouco depois. O general foi simplesmente brilhante ao lançar os alicerces do caos que no levou à moratória e a pedir o socorro do FMI.

SEM AUTO-SUFICIÊNCIA

Mesmo produzindo quase tanto quanto consome, o Brasil não é independente do petróleo estrangeiro, como Lula tanto bravateou. De acordo com o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, no ano passado o País produziu, em média, o equivalente a 1,751 milhão de barris por dia de óleo bruto e consumiu 1,734 milhão. Mas exportou 421 mil barris por dia e importou 418 mil. Mesmo assim, a conta do comércio externo do petróleo registrou um déficit de mais de US$ 4 bilhões no ano passado e, neste ano, estima-se que ficará em torno de US$ 8 bilhões. Se não mais.

A Petrobrás só construiu refinarias para óleo leve e quase todo o nosso é pesado. Só agora, em Santos, descobrimos petróleo leve, mas as reservas só devem entrar em produção significativa em 6 ou 8 anos. A nova descoberta em nada vai nos beneficiar na crise atual. Outro fator é que o petróleo pesado que exportamos, como o da Venezuela, vale menos no mercado internacional que o leve, que importamos. É isso que produz o déficit da conta externa do petróleo e explica também, em essência, a redução do superávit da balança comercial.

A Petrobrás reclama das perdas, mas poderá sustentar essa situação por algum tempo por dois motivos. Primeiro, por causa do ganho obtido com o real valorizado - ela compra mais petróleo com o mesmo valor de reais. E porque, finalmente, o governo desistiu de parte da arrecadação com impostos incidentes sobre a gasolina e o óleo. Mas isso não é uma solução que deve durar. Mesmo assim, estamos melhor. Não estamos fazendo dívida para importar petróleo, temos dólares até em demasia para comprá-lo.

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