Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 11, 2008

Celso Ming Insegurança alimentar

O choque dos alimentos está produzindo enormes estragos globais: semeia inflação, desarranja o abastecimento, precipita protecionismos e fermenta crises políticas. Para observadores atentos, é uma forte ameaça à democracia, especialmente nos países pobres.

Efeito colateral do mesmo choque é o desmonte do conceito de segurança alimentar, pelo menos como enunciado hoje.

As políticas de segurança alimentar surgiram na Europa logo após a 1ª Guerra e se intensificaram após a 2ª. A enorme escassez desse período levou os governos a garantir a produção interna dos alimentos indispensáveis ao sustento da população, não importando a que custo. Foi essa a base do protecionismo agrícola dos países ricos que provocou grandes distorções. Impossibilitou, por exemplo, que muitos países da África e da América Latina desenvolvessem sua agricultura por incapacidade de competir com o produto subsidiado pelos governos dos países centrais.

O conceito de segurança alimentar não ficou apenas na busca da garantia do abastecimento interno. Foi também associado a políticas demográficas e ambientais. Assim, governos europeus adotaram medidas protecionistas para impedir o esvaziamento populacional do interior do país. Depois, razões de preservação ambiental foram usadas para bloquear o desenvolvimento de pesquisas e culturas transgênicas.

O professor Fernando Homem de Melo, especialista em Economia Agrícola da Universidade de São Paulo, lembra que as aplicações desse princípio foram tão exacerbadas que até o nome mudou. Hoje, em vez de segurança alimentar, fala-se em Multifuncionalidade Agrícola, e as exigências se multiplicaram. A agricultura tem agora de garantir a preservação da paisagem, do turismo agrícola, da cultura rural dos antepassados e por aí vai.

O problema é que acabou a fartura, os estoques estão cada vez mais baixos também nos países ricos e agora se vê que a globalização dos mercados impõe um jogo novo e desconhecido. O aumento do consumo asiático produziu escassez e disparada dos preços e não há o que detenha a inflação dos alimentos (veja o gráfico).

Os ambientalistas parecem confusos. Os mesmos que repelem os transgênicos agora exigem que os Estados Unidos deixem de usar seu milho - que é 80% transgênico - para produção de etanol e o canalizem para a alimentação humana ou animal.

Mas a primeira reação ao choque dos alimentos é o aumento das políticas de segurança alimentar. As exportações de grãos foram proibidas na Tailândia, Casaquistão, Indonésia, Egito, Camboja e Argentina. Outros adotaram o Imposto de Exportação para garantir o abastecimento interno. Na Europa, cresce o movimento contra o uso de grãos para biocombustíveis.

Mas, como aponta Homem de Melo, o resultado disso pode ser a dura tomada de consciência de que o efeito prático é, paradoxalmente, a enorme insegurança que hoje se vive.

Se vai desaguar ou não na rejeição dessas políticas é o que ainda vai se ver. O mais provável é que, num futuro muito próximo, quem falar de segurança alimentar ou de Multifuncionalidade Agrícola não estará dizendo a mesma coisa que hoje.

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