Economia sem Truques ensina os brasileiros a não
cair nos ardis da "economagia" de governos populistas
Giuliano Guandalini
Ilustrações Orlando |
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Uma das inovações populistas trazidas pela Constituição de 1988 destinava-se a incrementar as férias dos trabalhadores brasileiros com carteira assinada – além do direito aos trinta dias de descanso remunerado, eles passaram a receber de seus patrões um terço a mais do salário. Com o passar do tempo, o que fizeram os empresários para se ajustar à despesa extra? Reduziram o salário dos novos contratados e diminuíram as contratações. Em suma, defenderam-se como podiam dentro de uma economia de mercado. Resultado: uma lei feita para beneficiar os trabalhadores acabou diminuindo o emprego e os salários. A suposta boa vontade dos constituintes brasileiros não passou de um lance típico de ilusionismo econômico, ou "economagia", como definem os economistas Carlos Eduardo Gonçalves e Bernardo Guimarães no recém-lançado Economia sem Truques (editora Campus/Elsevier; 210 páginas; 47 reais). O que eleva o rendimento real dos funcionários é o aumento da produtividade, dizem os autores, e não a camaradagem de políticos. A partir de exemplos do dia-a-dia como esse, o livro Economia sem Truques explica de maneira clara e objetiva os conceitos centrais da teoria econômica moderna. Em especial, por que iniciativas bem-intencionadas nem sempre funcionam no mundo real nem tornam melhor a vida das pessoas.
A SOMA NÃO É ZERO O escocês Adam Smith refutou, no século XVIII, a idéia de que uma nação enriquece necessariamente à custa do empobrecimento de outras. O comércio internacional é um jogo em que todos ganham. Graças à exportação de suco de laranja para a Europa, por exemplo, o Brasil pode importar vinho da França. Ganham franceses e brasileiros |
O trabalho tem o mérito, raro em publicações do tipo no país, de ser extremamente acessível aos leigos, particularmente àqueles que se arrepiam diante de uma mera equação de primeiro grau. Os autores evitam ao máximo citar números ou argumentos complexos. Recorrem, para ilustrar seus argumentos, a imagens de fácil visualização (alguns exemplos do livro foram usados para ilustrar esta resenha). Assim, Economia sem Truques desloca a teoria econômica de seu habitat acadêmico e a aplica à interpretação de fenômenos do mundo moderno. Nisso, alinha-se ao estilo do best-seller Freakonomics, dos americanos Steven Levitt e Stephen Dubner, obra que inspirou, nos Estados Unidos e no restante do mundo, uma miríade de livros de economia destinados a explicar o dia-a-dia dos leitores.
O PREÇO DO PRIVILÉGIO Com o intuito de favorecer os estudantes, a lei da meia-entrada para espetáculos culturais encareceu o ingresso pago por outras pessoas e estimulou a falsificação de documentos |
Entre os objetivos dos autores brasileiros está o de separar as situações em que as leis do mercado não funcionam corretamente daquelas em que a ação do governo se justifica. Segundo Gonçalves e Guimarães, sempre que uma decisão afeta outra pessoa de maneira nociva e indireta (por exemplo, na poluição industrial) a regulação do governo é bem-vinda. Para ilustrarem sua tese, os autores usam exemplos tão díspares quanto os da Ilha de Páscoa, do pedágio urbano de Londres e do combate à poluição no Brasil. A civilização da Ilha de Páscoa, no Pacífico, foi provavelmente exterminada pela exploração irracional de seu principal recurso, as árvores. Sem árvores, os habitantes não conseguiam construir canoas para pescar, não tinham como erguer novas moradias nem como se aquecer no inverno. Nesse caso, segundo Gonçalves e Guimarães, o "livre mercado" não funcionou a contento e agiu de forma predatória. Por isso, deveria haver a intermediação do estado. Foi pensando assim que a prefeitura de Londres instituiu o pedágio urbano. Ao regular o fluxo de carros, o pedágio reduziu o trânsito, melhorou a qualidade do ar e, ao final, beneficiou a maior parte da população. Segundo os autores, trata-se de um caso em que a ação governamental foi benéfica. O mesmo raciocínio justificaria leis mais rígidas de combate à poluição no Brasil. "A maneira ideal de regular a poluição é fazer com que as pessoas ou empresas paguem pelos custos sociais da poluição que geram", escrevem os economistas.
A MINA SECOU Algumas regras são essenciais. Os moradores da Ilha de Páscoa exauriram o seu mais precioso recurso, as árvores, com as quais faziam canoas para pescar. Ficaram sem árvores, sem comida e a civilização desapareceu
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Ao tratarem desse assunto, Gonçalves e Guimarães abordam um dos dilemas mais sensíveis das atuais economias de mercado: quando e como governos devem regular as ações de pessoas e de empresas. Os autores demonstram que o estado brasileiro tende a regular mais do que deveria. Um dos exemplos citados seria a lei que deu o direito de meia-entrada aos estudantes no cinema e em eventos culturais. Os donos de cinema, lógico, não ficaram com o prejuízo. Elevaram o preço da entrada para o restante do público, que não dispunha do mesmo privilégio. Nesse caso, verificou-se o mesmo efeito infeliz ocorrido com a criação do adicional de férias em 1988, que tornou o mercado de trabalho ainda mais engessado e desestimulou a contratação de funcionários. Por essa razão, segundo os autores, o governo só deve se intrometer quando sua ação trouxer mais benefícios que prejuízos. Do contrário, melhor deixar que as leis de mercado encontrem a melhor saída.
Mas governos podem fazer algo para melhorar a condição de vida das pessoas? Sim, segundo Economia sem Truques. Podem ampliar o acesso à educação e à qualidade das aulas. Com isso, produzem trabalhadores mais inteligentes, produtivos e bem pagos. Simples assim. Sem truques nem "economagia".
TROCANDO AS BOLAS Pelé tinha fama de ser um ótimo goleiro – melhor do que alguns que defenderam os times em que jogou. Por que então ele não jogava com a camisa 1? A resposta é óbvia – porque ele era melhor na linha. |
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