Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 10, 2008

As roupas inspiradas nos super-heróis ganham exposição

Os avatares do desejo

Exposição mostra como os super-heróis
foram parar nos modelos da alta-costura


André Petry, de Nova York

Fotos Divulgação, Warner Bros
EXPANSÃO ARACNÍDEA – A roupa do Homem-Aranha que Maguire usou no cinema, em exposição no Metropolitan, e o vestido que Armani desenhou em 1990 (à esq): o estilista diz que nem pensou no super-herói

BANHO DE SENSUALIDADE – O sutiã com retrovisores laterais,
do francês Thierry Mugler, a atriz Lynda Carter como Mulher Maravilha
(no detalhe) e sua versão sensual na passarela

Desde a aparição da impagável Edna Moda, a estilista miniatura de Os Incríveis, o público perdeu o direito de ignorar que existe um diálogo entre as fantasias dos super-heróis e as criações da indústria da moda. Com a mensagem de Os Incríveis na cabeça, alguém poderia supor que o terreno comum entre as roupas dos heróis e as invenções dos estilistas é apenas o mundo da frivolidade e dos sonhos fúteis. A mostra Super-Heróis – Moda e Fantasia, que acaba de ser inaugurada no Metropolitan Museum de Nova York e ficará em cartaz até 1º de setembro, abre uma nova frente. Com sessenta peças, a exposição demonstra que a ficção dos super-heróis e a realidade da moda, nas passarelas ou nas ruas, estão mais entrelaçadas do que parece à primeira vista. Na fantasia do Homem-Aranha, personagem criado em 1962, e em um vestido de Giorgio Armani, desenhado pelo estilista italiano em 1990, estão presentes a mesma obsessão pelo corpo perfeito, a mesma homenagem à metamorfose e a mesma liberdade para fugir da banalidade do cotidiano. E tudo sem que os criadores tenham consciência clara dessa comunhão entre moda e fantasia. Disse Armani, na abertura da exposição na semana passada: "Para ser totalmente honesto, quando fiz esse vestido, o Homem-Aranha estava a milhares de quilômetros da minha cabeça".

A mostra tem modelos desenhados pelos nomes mais festejados da moda, como Jean Paul Gaultier, Gianni Versace, Pierre Cardin e o próprio Armani, e pelas prestigiadas marcas Dolce & Gabbana, Christian Dior e Balenciaga, além de incluir as fantasias originais usadas pelos astros de Hollywood que interpretaram super-heróis nas telas. Estão lá as roupas que Christopher Reeve vestiu em Super-Homem, em 1978, e as do herói aracnídeo que Tobey Maguire usou em Homem-Aranha 1 ou 2 ou 3 ou em todos. Nesse quesito, a coleção ainda conta com a fantasia de Mulher-Gato que Michelle Pfeiffer vestiu em Batman – o Retorno, em 1992 – e, aí, tem-se um raro vislumbre da superioridade humana sobre os heróis da ficção: nem nos desenhos em quadrinhos alguém ficou mais deslumbrante que Michelle Pfeiffer como Mulher-Gato. São momentos assim que permitem a qualquer mortal, sobretudo aos meros mortais, perceber a simbiose entre os super-heróis e os modelos das passarelas ou telas: são ambos avatares do desejo. É como se os heróis fossem o que desejamos ser e, no rastro desse desejo, vestimos o que eles vestem – e, entre nós, os humanos, quem os veste são os nossos mais perfeitos exemplares. "Os heróis sempre revelam seus superpoderes quando trocam de roupa", diz Armani, patrocinador da exposição, ao explicar, com singular singeleza, como a cultura de massa dos quadrinhos foi parar na ponta da tesoura da alta-costura.

Com as peças separadas em oito "corpos" – do "corpo gráfico", estrelado pelo Super-Homem, ao "corpo aerodinâmico", representado por The Flash –, o forte da exposição está nas metáforas da realidade política. Ou, para usar a terminologia dos expositores, no "corpo patriótico". A Mulher Maravilha e o Capitão América, heróis criados no início dos anos 40 como combatentes do fascismo, aparecem como símbolo da utopia e do poder americanos. Mas se até o Capitão América se insurgiu contra a Casa Branca ao mudar de identidade, em dezembro de 1974, para expressar a decepção com o escândalo do Watergate, o estilista alemão Bernhard Willhelm também faz sua crítica na pele dos super-heróis. Seus modelos, com as estrelas e as listas da bandeira americana, podem ser lidos como uma censura ao expansionismo americano. A crítica mais bem-humorada – neste caso, ao consumismo americano – é do estilista John Galliano, da Christian Dior, cujo manequim usa roupas inspiradas na Mulher Maravilha e uma peruca atulhada por latas de Coca-Cola. Na versão que foi à passarela, Galliano deixou a peruca de lado. Mas encheu a pista com uma modelo que dá de dez em sensualidade na heroína interpretada por Lynda Carter nos anos 70.

A exposição chega num momento particular da vida americana, quando aparecem sinais de insatisfação com os rumos do país. Como nem o beisebol é mais americano que os super-heróis, é interessante que a abertura da mostra tenha sido antecedida pela estréia no cinema de Homem de Ferro, mais um título de Hollywood que dá vida a um personagem dos quadrinhos. Recolhendo 100 milhões de dólares no fim de semana, Homem de Ferro fez bonito nas bilheterias – tal como no Brasil. Criado no início dos anos 60, o personagem sai do passado como metáfora do desejo de invulnerabilidade para fazer o futuro dos EUA. Um pouco dessa projeção está na mostra. O Homem de Ferro, que divide a seção do "corpo blindado" com Batman, remete ao indestrutível. Mas quem joga no time do futuro pós-moderno é uma peça do francês Thierry Mugler, que traz um inacreditável sutiã com retrovisores laterais, referência ao Motoqueiro Fantasma, personagem da Marvel Comics. Na noite de segunda-feira, depois da abertura da exposição para a imprensa, o Metropolitan fez sua tradicional recepção de gala. Recebeu uma penca de chiques e famosos, como George Clooney e o casal Tom Cruise e Katie Holmes. Julia Roberts, num Armani, era a prova de que os melhores sonhos emanados dos gibis podem se materializar na vida real. Gisele Bündchen, coberta por um Versace, era até mais que isso: era a própria encarnação do pecado – mas aí entra em cena outra categoria de avatares do desejo.

Arquivo do blog