Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 10, 2008

O homem-bomba da Casa Civil

O homem-bomba
do Palácio do Planalto

Apontado como vazador, assessor da Casa Civil
ameaça revelar a identidade do autor do dossiê


Alexandre Oltramari

Cristiano Mariz
"Se eu for convocado à CPI, conto tudo."
José Aparecido Nunes Pires, secretário de Controle Interno da Casa Civil

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Depois de inúmeros desmentidos, seis versões oficiais, dezenas de negativas da ministra Dilma Rousseff e várias teorias da conspiração, está comprovado: como VEJA revelou há oito semanas, o dossiê com o detalhamento dos gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua família foi feito mesmo na Casa Civil da Presidência da República e, de lá, ganhou asas rumo ao Congresso Nacional. As investigações sobre o autor ou autores do documento ainda não foram concluídas, mas o caso ganhou um personagem que pode ser decisivo para a elucidação definitiva dessa última parte do mistério. Ele se chama José Aparecido Nunes Pires, é auditor do Tribunal de Contas da União, antigo militante petista e, desde o início do governo Lula, chefe da Secretaria de Controle Interno da Casa Civil. Uma perícia da comissão de sindicância apontou o secretário como suspeito de ter vazado o dossiê. Extra-oficialmente, chegou-se até a espalhar a versão de que José Aparecido seria também o autor do documento, numa ação voluntária, feita por conta própria, sem o aval do governo. José Aparecido nega, em público, todas as acusações. Mas não esconde dos amigos que, se for convocado a depor, contará tudo que sabe sobre o caso. Ele sabe muito. Sabe quem fez o dossiê, sabe como foi feito, sabe com que objetivos e, principalmente, sabe o nome de quem deu a ordem.

O surgimento de José Aparecido no caso arrepia o governo sobre vários aspectos. Em conversa com amigos, ele já confidenciou que a secretária executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, braço-direito da ministra Dilma Rousseff, teria sido a responsável pela elaboração do dossiê. O trabalho foi feito por um grupo de oito pessoas selecionadas, e, oficialmente, o objetivo era levantar informações para ser usadas "no enfrentamento com a oposição" na futura CPI dos Cartões Corporativos. Em-bora não tenha feito parte diretamente da manipulação das informações, o secretário revelou ter acompanhado todo o trabalho a partir de relatos de dois assessores seus que participaram do grupo encarregado da coleta e da seleção dos dados. A euforia com o resultado era tão grande, segundo ele, que alguns funcionários do Palácio do Planalto comemoravam aos gritos cada despesa considerada exótica encontrada nos processos de prestação de contas. "Se eu for convocado à CPI, conto tudo", disse ele na sexta-feira passada. O deputado Vic Pires Franco (DEM-PA) já anunciou que pretende apresentar nesta semana o requerimento de convocação de José Aparecido.

Lula Marques/Folha Imagem

"A quem interessa esse vazamento?"
Ministra Dilma Rousseff, em depoimento à Comissão de Infra-Estrutura do Senado

Além de soterrar as versões divulgadas até agora para tentar explicar o dossiê, o envolvimento do secretário de Controle Interno no caso acabou por consolidar algumas verdades. A principal delas: o dossiê existe, foi feito nos gabinetes da Casa Civil e tem 27 páginas de informação que chegam ao requinte de detalhar despesas minúsculas do presidente, da primeira-dama e de alguns assessores com o objetivo de constranger e chantagear. Os dados estão organizados em uma mensagem enviada do computador de José Aparecido para o também auditor André Eduardo da Silva Fernandes, lotado no gabinete do senador Alvaro Dias, de acordo com a perícia feita por técnicos do próprio Palácio do Planalto. Os dois são amigos e têm em comum o fato de ter militado no PT. André, aliás, já foi até ghost writer do presidente Lula, escrevendo artigos que o então presidente do PT publicava nos jornais. Em fevereiro, no auge dos debates sobre a instalação da CPI dos Cartões Corporativos, José Aparecido, que foi nomeado para o cargo pelo ex-ministro José Dirceu, e André, que hoje é filiado ao PSDB, trocaram várias mensagens e telefonemas sobre o assunto. Em um deles, datado de 20 fevereiro, José Aparecido encaminhou voluntariamente a cópia do dossiê. A existência da mensagem foi revelada pelo Jornal Nacional, da Rede Globo. "Era a prova de que os boatos que circulavam no Congresso eram verdadeiros. Interpretei isso como um recado para o PSDB sobre o que apareceria se a oposição não parasse de investigar as contas sigilosas do governo", disse a VEJA o assessor do senador Alvaro Dias. O arquivo contendo o dossiê, aliás, tem o sugestivo nome de Suprimento de Fundos – o mesmo apelido que ganhou o amplo e famoso banco de dados montado pela Casa Civil com fins meramente administrativos, segundo garante a ministra Dilma Rousseff.

Fotos Adriano Machado/AE e Sergio Lima/Folha Imagem
O senador Alvaro Dias (à dir.) confirmou que a mensagem com o dossiê anexado foi enviada pelo Palácio do Planalto. O autor, um petista que chegou ao cargo pelas mãos do ex-ministro José Dirceu, aponta Erenice Guerra, assessora de Dilma Rousseff, como a responsável pela elaboração do documento

Desde o início do escândalo, o governo defendia uma investigação rigorosa e dirigida para caçar o vazador, apesar de seu papel secundário. Estranhamente, depois da identificação do tal personagem, há uma evidente mudança de comportamento. Uma cautela que parece exagerada para quem achava que o caso estaria solucionado a partir dessa revelação. José Aparecido continua respondendo pela Secretaria de Controle Interno e não passou pela cabeça da ministra Dilma Rousseff, ao menos até a noite de sexta-feira passada, afastá-lo de suas funções. Em vez de punição, o que prevalece nos bastidores é o empenho em negociar um acordo que permita a melhor saída possível para todos os envolvidos – um comportamento típico da sociologia petista. Para não revelar a cadeia de comando que ordenou a produção do dossiê, José Aparecido exigiu que a Polícia Federal não o indiciasse em inquérito e que a investigação administrativa da Casa Civil se limitasse a caracterizar o episódio, no máximo, como uma pequena "infração administrativa". Feito isso, por decisão pessoal, ele deixaria o cargo e voltaria a exercer suas funções de auditor do Tribunal de Contas da União. O governo parece ter topado o jogo. Na quarta-feira passada, quando já se sabia da participação de José Aparecido, ao falar sobre o dossiê no Senado, Dilma Rousseff deu mais uma versão para o caso e contrariou tudo o que ela mesma havia afirmado sobre o tema. A ministra declarou que os dados sigilosos de Fernando Henrique e sua família não são mais sigilosos. Se essa interpretação for mantida, abre-se caminho para salvar a cabeça de José Aparecido Nunes Pires, inclusive na esfera penal, e evitar que ele conte o que sabe.

Fotos Paulo Vitale, Rodrigues Pozzebom/ABR e Sergio Dutti/AE

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