Uma pesquisa mostra que o eleitor leva em conta,
sobretudo, o benefício imediato que o candidato lhe trará
Marcelo Carneiro
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O sociólogo Alberto Carlos Almeida causou polêmica no ano passado ao lançar um livro, A Cabeça do Brasileiro, em que mostrava que a parcela mais educada da população – ou seja, a elite brasileira – é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos do que a parcela formada pelos brasileiros menos escolarizados. Exatamente o contrário do que a turma costuma apregoar, afeiçoada ao mito do "povo sábio" e da "elite retrógrada", entre outros anacronismos que a história já se encarregou de enterrar. Agora, com seu novo livro, A Cabeça do Eleitor (308 páginas, 40 reais, editora Record), que será lançado na próxima semana, o sociólogo se arrisca a provocar nova grita. Com base na análise de 150 eleições – municipais, estaduais e presidenciais –, Almeida analisa a lógica que orienta a escolha de um candidato por parte do eleitor brasileiro. E chega à conclusão de que essa lógica é bem mais simples do que se poderia supor. Constrangedoramente simples até: o brasileiro vota a favor do governo ou do candidato do governo se considera que sua vida está boa ou melhorou. E vota no candidato da oposição se considera que ela está ruim ou piorou. Questões como ética, corrupção, separação entre o público e o privado não entram nessa conta. "O eleitorado, sobretudo o de baixa renda, vota em função de suas necessidades imediatas e da satisfação dessas necessidades", concorda o sociólogo Demétrio Magnoli.
Marcos Issa/Argosfoto |
Alberto Almeida: pesquisas que vão ao X da questão |
No livro, Almeida enumera os cinco fatores que, segundo ele, compõem a lógica "simples, direta e pragmática" que orienta o voto do eleitor brasileiro. O primeiro deles, e, de longe, o mais importante, é aquele que o autor chama de "avaliação do governo". O livro mostra que, em todas as eleições presidenciais realizadas no Brasil após o regime militar, os índices de avaliação do governo – tanto positivos quanto negativos – tiveram relação direta com o resultado do pleito. "No caso de governos bem avaliados, o que ocorre é que o eleitor, satisfeito com a gestão em curso, não quer correr riscos", explica Almeida. "Assim, tende a votar no candidato do governo ou no nome que disputa a reeleição." O contrário é igualmente verdadeiro, como mostram alguns dos resultados eleitorais que o sociólogo analisa. Em setembro de 1989, por exemplo, às vésperas da eleição que escolheria o sucessor de José Sarney, apenas 5% da população considerava seu governo ótimo ou bom. Resultado: os candidatos que chegaram ao segundo turno (Fernando Collor e Lula) eram de oposição.
Até a década de 60, vigorava entre os especialistas em eleição a idéia de que as campanhas eram dominadas pelos candidatos que oferecessem ao eleitor perspectivas de futuro de maior impacto – ou seja: vencia quem apresentasse as melhores propostas. Essa crença consagrou uma fórmula até hoje muito utilizada por políticos brasileiros, para os quais, para ganhar um mandato, basta contratar um bom marqueteiro, encomendar uma dúzia de pesquisas de opinião e, com base nelas, elaborar um rol de promessas que seduzirá o eleitor. O cientista político americano V.O. Key foi o primeiro a perceber que as coisas não funcionavam bem assim. A partir da análise de resultados de pesquisas eleitorais, ele demonstrou que a escolha do eleitor se dava muito mais em função da sua avaliação das realizações do governo em curso, especialmente na área econômica, do que com base em promessas de mudanças no futuro. Ou seja, a lógica do voto é fundamentalmente a mesma em países com realidades diversas. O que muda é o grau de imediatismo do eleitorado. "Quanto mais básicas são as necessidades do eleitor, mais pragmático é o seu voto", diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.
Em segundo lugar, Almeida afirma que, num universo com pouca informação política, é fundamental que o candidato apresente ao eleitor uma "identidade" clara. "Aqueles que marcadamente assumem o papel de situação ou de oposição são os que costumam encerrar o pleito nas primeiras posições", afirma. "O eleitor médio trabalha com grandes emblemas e grandes símbolos." Numa situação em que a maioria da população avalia mal a administração em curso, portanto, é muito mais provável que vença o candidato que se colocou claramente na oposição do que aquele que ficou "sem identidade", ou em cima do muro.
Anderson Schneider |
Fila do Bolsa Família: quanto mais básicas as necessidades do eleitor, mais pragmático é o seu voto |
O grau de lembrança que o candidato consegue suscitar no eleitor – aquilo que os especialistas chamam de "recall" – é o terceiro fator determinante para a definição do voto, afirma Almeida. Quanto mais um político disputa eleições para um mesmo cargo, mais conhecido ele se torna. Um caso exemplar é o de Lula, que viu seus índices de votação no primeiro turno das eleições presidenciais subir continuamente. Em 1989, ele obteve 17% dos votos no primeiro turno. Cinco anos depois, chegou a 27% e em 2002, quando foi eleito, atingiu a marca dos 46%. E por que isso ocorre? Porque conseguir mais votos dentro do grupo de eleitores que já conhece o candidato é mais fácil e mais rápido para ele do que se tornar conhecido, responde Almeida. A maneira como o político faz uso do seu currículo é o quarto elemento para a conquista do voto, segundo o livro. José Serra, por exemplo, na campanha municipal de 2004, usou sua condição de ex-ministro da Saúde com boa passagem pela pasta para ficar toda a campanha apontando as deficiências nesse setor da gestão da petista Marta Suplicy – que acabou derrotada. Da mesma forma, Lula, na eleição contra Collor, em 1989, atacou os altos índices de desemprego, usando sua experiência – ou seu "currículo"– de sindicalista. "É preciso captar o que o eleitor quer, e tanto melhor para o candidato se a realização desse desejo estiver relacionada a uma capacidade que o político já demonstrou ter", afirma o cientista político Rubens Figueiredo.
O potencial de crescimento eleitoral, segundo o livro A Cabeça do Eleitor, é o quinto fator mais importante para definir o destino de um candidato. Não raro, ele é prejudicado quando o candidato é muito conhecido, já que, nesse caso, ele tende a ter também uma alta taxa de rejeição. Foi essa equação um dos principais motivos que fizeram com que, em 2002, Leonel Brizola, duas vezes governador do Rio de Janeiro e com quatro décadas de experiência na política, fosse derrotado por um novato num pleito para o Senado. Embora conhecido por praticamente 100% do eleitorado fluminense, Brizola tinha uma alta taxa de rejeição – o que fazia com que seu teto de crescimento fosse baixo. Já seu adversário na ocasião, Marcelo Crivella, um pastor evangélico que nunca havia disputado uma eleição, tinha, segundo apontaram as pesquisas, um bom porcentual de intenção de voto entre a pequena parcela do eleitorado que o conhecia – e poucos motivos para ser rejeitado pela grande maioria dos eleitores que não sabia quem ele era.
À luz das conclusões de Almeida, é possível supor que, entre os pré-candidatos que se apresentam para as eleições presidenciais de 2010, Dilma Rousseff hoje se encontra numa boa situação. Mas a ministra-chefe da Casa Civil leva desvantagem em quesitos essenciais. O primeiro deles: não tem recall de eleições anteriores, como o governador de São Paulo, José Serra, veterano de oito eleições, incluindo uma para a Presidência da República. Apesar dos esforços do presidente Lula para associá-la ao PAC, a ministra também não conseguiu construir uma marca ainda, como fez o governador de Minas e "bom gestor", Aécio Neves. Dilma tampouco tem um vasto currículo no Executivo, trunfo de todos os seus adversários, incluindo o ex-prefeito, ex-governador e atual ministro Ciro Gomes. Por último, a candidata de Lula tem o relógio contra ela, já que, para superar seu maior desafio – o de tornar-se conhecida –, contará com menos de três meses em 2010, prazo entre o início oficial da campanha e o dia da votação de primeiro turno. A seu favor, no entanto, Dilma conta com o poderoso fato de estar claramente associada a um governo com 55% de aprovação – o que equivale a dizer que ela tem diante de si um eleitorado que, em sua grande maioria, acha que a vida, sobretudo do ponto de vista econômico, está boa ou melhorou com Lula. E esse é o maior dos trunfos da petista: ser candidata em um país em que o grosso do eleitorado é tão necessitado que basta parar de chover para todo mundo achar que está o maior sol.
Fotos de Beto Barata/Ae; Lailson Santos e Roberto Castro/Ag. Istoé |