Efeito garrafa térmica Nova geração de usinas solares garante eletricidade mesmo quando o sol se põe Paula Neiva
Divulgação
| A usina solar térmica PS10, na Espanha: movida pelo calor, e não pela luz, como as usinas fotovoltaicas |
A energia solar, captada por painéis de silício, é apontada como uma das melhores alternativas para diminuir a dependência mundial dos combustíveis fósseis na produção de eletricidade. Seu uso doméstico se disseminou, mas usinas de painéis solares com potência suficiente para iluminar milhares de casas ainda são caras e têm baixa capacidade de armazenamento. Além disso, elas têm uma grande limitação: não funcionam à noite. Uma nova geração de usinas solares, chamadas de térmicas, vem se firmando como uma opção para produzir eletricidade com a ajuda do sol. Ao contrário das convencionais, que usam a luz para ativar painéis fotovoltaicos, as usinas térmicas utilizam o calor dos raios solares, refletidos por espelhos e captados por uma torre receptora. Esse calor é usado para aquecer um fluido, geralmente sal liquefeito, que permanece estocado em reservatórios em alta temperatura – como café quente numa garrafa térmica. Quando há demanda por eletricidade, o fluido é conduzido até um gerador e o vapor que ele desprende move uma turbina, produzindo eletricidade. O fluido é reaproveitado e, ao longo do dia, o conjunto de espelhos se movimenta para manter o melhor ângulo de captação da luz e do calor do sol. Esse sistema, com tecnologia bem mais simples que a empregada nas usinas fotovoltaicas, é semelhante ao usado nas termelétricas, com a enorme vantagem de não produzir poluição atmosférica. Há atualmente no mundo cerca de cinqüenta usinas solares térmicas em diferentes estágios de planejamento ou construção. A PS10, próxima a Sevilha, na Espanha, está em operação há um ano. Por enquanto, ela consegue armazenar o calor produzido durante meia hora. Quando novas tecnologias já em desenvolvimento forem utilizadas, prevê-se que usinas como a PS10 serão capazes de estocar calor por até vinte horas. Como ocorre com todas as formas de energia renováveis, o desafio da energia solar térmica é chegar a um custo de produção competitivo. Hoje, o preço médio por quilowatt-hora de uma usina solar térmica é de 17 centavos de dólar, contra 7 nas termelétricas a carvão e 5 nas hidrelétricas. Ainda assim, a eletricidade gerada pelas usinas térmicas é 40% mais barata do que a produzida pelas usinas fotovoltaicas. Atualmente, menos de 1% da eletricidade consumida no mundo provém da energia solar, mas, segundo os especialistas, essa porcentagem deverá crescer significativamente. "Minha aposta é que, em alguns anos, a energia produzida com o sol representará 5% da eletricidade usada no planeta", disse a VEJA o engenheiro William A. Beckman, diretor do laboratório de energia solar da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. Um estudo do Instituto de Energia da Universidade da Califórnia, divulgado no início do ano, mostra que a energia solar térmica se tornará economicamente competitiva muito antes que a fotovoltaica. O custo de construção das usinas é menor, e o aproveitamento da eletricidade gerada, maior. Uma usina solar térmica a ser construída no estado americano do Arizona, anunciada como a maior do mundo, vai produzir 280 megawatts de eletricidade. Para efeito de comparação, as maiores usinas fotovoltaicas hoje em operação produzem 20 megawatts. Markel Redondo/Landov
| Espelhos de uma usina solar térmica: movimento contínuo para procurar o melhor ângulo em relação ao sol |
Embora no Brasil ainda não haja projetos de construção de usinas solares térmicas, o país tem enorme potencial para se beneficiar delas. Segundo o Atlas Brasileiro de Energia Solar, produzido recentemente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a média diária de radiação solar que incide sobre o território brasileiro ao longo de um ano é de 5,5 quilowatts-hora por metro quadrado. Em regiões como o oeste da Bahia, a média é ainda maior. São índices equivalentes aos do Deserto do Saara. A Alemanha, um dos países que mais usam energia produzida a partir do sol, recebe, por metro quadrado de território, a metade da radiação solar verificada no Brasil. Pesquisas indicam que, daqui a vinte anos, o mundo vai consumir 50% mais energia do que hoje. Num planeta de recursos naturais limitados e assombrado pelo aquecimento global, os investimentos em fontes renováveis de energia recebem cada vez mais atenção de governos e da iniciativa privada. Atualmente, 20% da eletricidade que ilumina e aquece a Dinamarca vem de usinas de energia eólica. Na Islândia, a energia geotérmica retirada de seus gêiseres se popularizou nos últimos anos. As primeiras usinas de energia marinha, produzida com as marés, as correntes e as ondas dos oceanos, já estão funcionando em fase experimental (veja o quadro abaixo). Segundo estimativas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, em menos de vinte anos o consumo de eletricidade originária de fontes renováveis de energia vai dobrar. "No mundo todo acabou a era da energia barata e do descaso com o meio ambiente. Por isso, o uso de fontes energéticas renováveis terá de se expandir nos próximos anos", diz o engenheiro Sergio Colle, coordenador do laboratório de energia solar da Universidade Federal de Santa Catarina. As usinas solares térmicas devem ter um papel de destaque nesse novo cenário energético global. A energia que vem dos mares Divulgação
| Usina marinha: tubos gigantes de metal usam a força das ondas para produzir eletricidade |
A energia solar termal não é a única nova fronteira na busca por eletricidade limpa e renovável. Vários projetos estão em andamento para utilizar as ondas, correntes e marés dos oceanos na produção de energia. Portugal será o primeiro país a inaugurar um parque energético marinho, na região de Aguçadoura, na costa norte. O sistema se compõe de três tubos de metal, cada um com 140 metros de comprimento e 700 toneladas, que bóiam na água. O balanço das ondas faz com que as diferentes seções do tubo se contraiam, impulsionando um fluido de alta pressão usado para mover motores hidráulicos. Estes, por sua vez, movimentam um gerador que produz eletricidade. A tecnologia foi desenvolvida por uma empresa escocesa. O Parque de Aguçadoura vai gerar 2,25 megawatts, o suficiente para abastecer 1 500 casas. No ano que vem, a Inglaterra criará um parque de energia marinha a 16 quilômetros da costa, na região da Cornualha. Batizado de Wave Hub, funcionará como uma central elétrica submersa que conectará quatro usinas marinhas à rede de distribuição de eletricidade em terra. As usinas usarão a força das ondas para gerar eletricidade. O projeto consumirá 56 milhões de dólares e vai gerar 20 megawatts de energia, o bastante para abastecer 7 500 casas. Segundo as projeções, após 25 anos de funcionamento o Wave Hub evitará que 300 000 toneladas de dióxido de carbono, gás responsável pelo efeito estufa, sejam lançadas na atmosfera. Acredita-se que, no futuro, a energia marinha possa fornecer um quinto da eletricidade consumida na Inglaterra. O Brasil também tem um projeto de usina marinha. Ele foi desenvolvido pelos pesquisadores do Laboratório de Tecnologia Submarina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A usina deverá ser instalada no Porto de Pecém, a 60 quilômetros de Fortaleza, no Ceará, e utilizará a força das ondas para gerar 50 quilowatts de eletricidade, o suficiente para abastecer vinte casas. "Não é muita energia, mas trata-se de uma usina piloto que funcionará como um laboratório a céu aberto para testar e aprimorar a tecnologia", diz Eliab Ricarte, gerente do projeto. Estudos da UFRJ indicam que os 8 500 quilômetros do litoral brasileiro têm potencial para suprir até 15% da demanda de energia do país. Por ser uma tecnologia em desenvolvimento, a energia marinha ainda é cara em comparação com outras fontes renováveis, como a energia eólica. Atualmente, cada quilowatt-hora de energia produzido pelo oceano custa 45 centavos de dólar, enquanto a eletricidade das turbinas de vento sai por 8 centavos de dólar. Disse a VEJA Ian Bryden, engenheiro da Universidade de Edimburgo: "A energia marinha é uma área promissora, mas ainda precisa de mais tempo para se tornar eficiente. Entretanto, seu potencial é maior que o da energia eólica, porque os movimentos dos oceanos são mais previsíveis que os dos ventos". Rafael Corrêa | | | Publicidade | | | |