Guardadas as proporções, Minc foi muito além. De Paris, disse para Lula ao telefone que é pegar ou largar: só assume o ministério se tiver autonomia total; se o governo mobilizar sua base no Congresso para mudar a lei de licenciamentos ambientais; se puder montar a equipe à sua imagem e semelhança; se a equipe econômica não negar recursos à sua pasta; se não sofrer nenhum tipo de pressão política para aprovar projetos de impacto ambiental; se a questão da preservação estiver no centro das decisões econômicas.
E avisou mais: considera "inaceitável" ficar de fora das definições sobre política industrial; não vai permitir a derrubada de "um só hectare" da Amazônia para produção de biocombustível; exige ingerência em assuntos de saneamento; pretende "aprofundar" a política de defesa da Amazônia e quer logo começar mudando o Programa Amazônia Sustentável, lançado outro dia mesmo por Lula, que aproveitou o ensejo para batizar a ainda ministra Marina como a "mãe do PAS".
No embalo, Carlos Minc deu um chega para lá em Mangabeira Unger e chamou Jorge Viana para a coordenação do programa. O ex-governador do Acre declinou penhorado, mas dançou conforme a música, chamando de "barbeiragem" de Lula a nomeação de Mangabeira.
Homem ponderado, Jorge Viana não diria isso sem o conhecimento prévio do presidente. Inclusive porque não disse nada parecido enquanto Marina Silva estava lá, ainda convivendo com a decisão que a fez enxergar o fim do caminho.
Portanto, se a retirada de Mangabeira não for uma decisão já tomada, Viana terá feito par com Carlos Minc na abertura do baú de factóides usados pelo novo ministro para combater a má impressão inicial.
Exímio condutor de holofotes desde o tempo de deputado iniciante na Assembléia Legislativa do Rio, Minc trabalhou com afinco para "virar" o clima a seu favor.
Para neutralizar o "mico" do convite feito, desfeito e refeito, nada mais adequado que a apresentação de uma série de exigências mediante as quais não teve saída a não ser se render à "intimação" do presidente da República.
Despertou admiração, diferenciou-se, mostrou-se desprendido e ao mesmo tempo aplacou desconfianças a respeito da celeridade da concessão de licenças ambientais enquanto esteve na função de secretário do Ambiente do Estado do Rio.
Angariou simpatia ao voar na predatória carótida do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, com uma frase de efeito sobre plantação de soja nos Andes e apagou qualquer resquício de contraposição à pranteada Marina Silva, ao atirar em Mangabeira Unger.
Minc enfeitou o ambiente, não tirou o mico da sala, mas pelo menos conseguiu apresentá-lo vestido de dourado. Criou uma série de impressões positivas em cima de uma largada negativa e deixou impressa a sua marca antes mesmo de virar oficialmente ministro.
Menos de 48 horas depois da demissão de Marina, o assunto predominante no noticiário era o substituto. Um feito, sem dúvida, mas insuficiente para assegurar boa sobrevivência no Ministério do Meio Ambiente.
Efeitos especiais à parte, é como Carlos Minc mesmo disse nas entrevistas, segunda-feira a conversa dele com o presidente Lula é que vai separar as promessas feitas na hora da necessidade - a urgência de uma substituição rápida e a escolha de um nome de notória atuação na área - das conveniências objetivas do governo.
Carlos Minc pode ser, e assumidamente é, um publicitário nato. Mas não é um tolo. A despeito da pouca reverência que dedicou ao discernimento alheio, falando de seus anseios como se isso os transformasse em compromissos de governo, Minc sabe bem onde pisa.
Ou pelo menos se espera que saiba. Por exemplo: que foi escolhido para ser mais flexível e não para "aprofundar" a política de Marina; que no implacável ambiente federal mentira gera desconfiança; que a antecessora se desgastou por excesso de autonomia; que presidente da República nenhum abre mão de imprimir sua linha aos ministérios; que existe uma montanha de conflitos de interesses entre o querer e o poder; que o voluntarismo não é páreo para a máquina de moer ilusões da administração federal; e que há uma linha muito tênue - quase imperceptível - separando a informalidade da falta de modos.
Por ora, na República só há um autorizado a transitar impunemente nos dois lados. O nome dele é Luiz Inácio da Silva, a quem o rito cerimonial aconselha autoridades a chamá-lo em público de "presidente". Ou presidente Lula. "O Lula me telefonou" só diz quem procura transparecer intimidade.
São os códigos da República, cujas normas não escritas evitam transtornos aos bem-intencionados cavaleiros da afoiteza.