Há dois meses, quando passou a denunciar o aparecimento de uma inflação de demanda (consumo crescendo mais depressa do que a capacidade de oferta de bens e serviços), o Banco Central (BC) foi acusado de ''fazer terrorismo''.
Durante algumas semanas, o Ministério da Fazenda reagiu puxando a corda em direção oposta. Argumentou que, de longe, o maior peso da inflação provém do choque dos alimentos, cujas cotações são determinadas pelas bolsas internacionais de mercadorias, e sobre as quais o aumento dos juros no País não terá efeito. ''É o feijãozinho... Excluindo os alimentos, estamos com inflação abaixo dos 3%'' - defendia-se o ministro Guido Mantega.
Mas, um após outro, os medidores de inflação vêm confirmando a violência da alta. Não dá mais para sustentar que está tudo concentrado na área dos alimentos. O setor de vestuário, por exemplo, acumula inflação de 5,6% no período de 12 meses terminado em abril (veja o Confira); as despesas pessoais aumentam 6,2%; e a educação, também 6,2%. A tabela ao lado dá idéia de quanto a inflação está espalhada.
Quinta-feira, outro indicador, o IGP-10, apontou alta preocupante de 1,5% no período de 30 dias terminado dia 10. Este é um coquetel estatístico com forte participação (60%) de preços no atacado. E pode indicar que o varejo (custo de vida) está para receber nova descarga.
Por essas e outras, o Ministério da Fazenda parece mais disposto a aceitar certas evidências. Já não é só o resultado do choque externo. Começa a ser admitido expressivo componente de inflação de demanda. O ministro Mantega já havia esticado o indicador para a forte expansão do crédito, ao ritmo de 31,1% ao ano, e chegou a defender medidas administrativas ou tributárias que reduzissem os prazos de financiamento e, assim, aumentassem as prestações mensais de modo a desaquecer o crédito e o consumo.
O diabo é que, por mais que aumentem, as operações de crédito têm pouco a ver com a atual esticada da inflação. O forte do crédito às pessoas físicas está concentrado nos bens duráveis de consumo. Os preços dos veículos, por exemplo, subiram 2,6% em 12 meses; dos eletrodomésticos, 2,4%; e dos aparelhos de TV, som e informática até baixaram: 10,9%.
Esta coluna já avançou que o BC prepara decisão que aumenta a exigência de capital dos bancos para concessão de crédito. Não será mera providência prudencial; também reduzirá a expansão do crédito. Mas, outra vez, o efeito na inflação pode ser baixo.
O que poderia mudar mais rapidamente o jogo seria um aumento do superávit primário, ou seja, da parcela, hoje de 3,8% do PIB (cerca de R$ 110 bilhões), usada para abater a dívida interna. Seria nova redução das despesas públicas que se transformam rapidamente em consumo. As pressões para que isso aconteça vão aumentando até mesmo pela ala heterodoxa do governo, como já foi observado aqui.