Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 10, 2008

Dora Kramer Apareceu o Aparecido

O roteiro é tão repetitivo que dispensa assinatura: primeiro consolida-se uma teoria baseada no crime menor; depois, aparece alguém de confiança para fazer o papel do malfeitor, mas que nunca será chamado diretamente de traidor a fim de que possa sair de cena suavemente.

Enquanto isso, em cenário paralelo desenvolve-se uma trama qualquer de forma a distorcer os fatos e transferir - se não for possível toda - pelo menos parte da culpa à oposição.

Ao fundo evolui o elenco encarregado das investigações que, mediante prorrogações sistemáticas de prazos, vai prolongando o desfecho até que a platéia se canse do espetáculo escrito propositadamente sem epílogo.

O leitor já identificou esse enredo com o caso do dossiê FHC. Mas talvez não se lembre de outras obras do autor, tais como Waldomiro Diniz e o achaque ao bicheiro, Delúbio Soares e sua intrépida trupe mensaleira e Os aloprados vão às compras.

Das três, só a segunda teve conseqüência. Mas apenas no plano judicial, porque no âmbito partidário não houve punições aos "erros" oriundos do uso de caixa 2, à exceção da desfiliação negociada de Delúbio e Silvio Pereira.

Waldomiro Diniz curte em silêncio a impunidade proporcionada por um inquérito sem fim e os aloprados voltaram às suas atividades livres de contar quem lhe deu o dinheiro para comprar o dossiê contra os tucanos na eleição de 2006, à época acusados de forjar o documento para culpar o PT.

José Aparecido Nunes Pires, secretário de Controle Interno da Casa Civil, dirige-se ao mesmo caminho da roça. Encaixou-se à teoria do crime de vazamento de informações, mas já ganhou anistia por causa da decisão do governo de não considerar mais sigilosos os gastos de FH.

Negociou com seus superiores uma saída discreta, com retorno ao Tribunal de Contas, e não desmente versões cuidadosamente depositadas no noticiário sobre a "preocupação" reinante na Casa Civil com sua disposição de "não cair sozinho".

O temor é falso, bem como é artificial a novidade contada pelo laudo técnico logo depois do depoimento de Dilma Rousseff no Senado. Muito antes disso, o nome de Aparecido já circulava no rol dos culpados.

Apresentado como prova cabal da inocência da ministra, é o suspeito ideal: a ligação com José Dirceu avaliza a tese da conspiração petista e a amizade com o assessor do senador Álvaro Dias, do PSDB, presta-se ao desvio do foco para a oposição.

Tudo uma mistificação para encobrir o essencial: a produção do dossiê, crime do qual Dilma Rousseff e mais uma dúzia de governistas imprudentes foram réus confessos por antecipação.

De mais a mais, a indignação do PT com o vazamento de informações não pode ser tomada pelo valor de face.

Na oposição, o partido se notabilizou pelo uso de uma rede de servidores públicos engajados e especializados em alimentar a usina de denúncias gerenciada pelo PT quando na oposição.

Esse rapaz que agora se dispõe a pagar a conta integrava o "dispositivo". Funcionando a partir do TCU, prestou bons serviços ao então deputado José Dirceu, um dos sócios fundadores do clube do dossiê, cujas normas, rígidas, não credenciam subalternos ao exercício da autonomia.

Mal comparando

Lauro Malheiros Neto deixou o cargo de secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo em conseqüência de acusações de envolvimento em extorsão a bandidos.

Contra ele não há provas com certidão passada em cartório do céu, indiciamento, processo ou condenação, o que poderá vir a ocorrer ou não.

No entanto, o que pesa contra o advogado basta, e em função disso deu-se a decisão, para justificar o afastamento: suspeitas. Fardo que agente público nenhum pode carregar no exercício da função.

O ex-secretário adjunto diz que vai processar seus acusadores, mas o fará fora do cargo.

O que temos visto no plano federal é exatamente o oposto: os suspeitos são defendidos, os condenados anistiados e os réus tratados sob o critério da presunção da inocência.

Tal princípio, absoluto para o cidadão comum, mas não para o ocupante de ofício público (por delegação ou representação), a quem se aplica o princípio da dúvida em favor da sociedade.

O gesto de Malheiros de sair para processar faz lembrar Antonio Palocci, ministro da Fazenda, acusado de corrupção por Rogério Buratti.

Continuou no posto e disse que não processaria Buratti para não ser favorecido pela força do cargo, quando bastaria afastar-se. Mas, naquele e na maioria dos casos, prevalece o raciocínio inverso: da permanência no cargo emana a força e, portanto, a desigualdade, em relação ao acusador.

Palocci sairia depois, acusado de crime de mando na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, mas nunca processou Rogério Buratti, que viria inexplicavelmente a retirar as acusações antes feitas de forma peremptória à polícia, ao Ministério Público e ao Congresso.

Arquivo do blog