O ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em que a "desgraçada" (tratamento que o presidente Lula tem dispensado à dita cuja) tem um foco: a disparada dos preços dos alimentos, cujas cotações são determinadas pelas bolsas internacionais de mercadorias. É a isso que Mantega chama de choque de oferta.
Este não é um diagnóstico desprovido de conseqüências. O ministro passa a advertência de que não há muito o que a política monetária possa fazer para evitar a alta, pois a artilharia de juros nenhuma influência teria na trajetória dos preços das commodities.
Os números do IPCA de abril divulgados ontem indicam que o ministro corre risco de estar equivocado ao atribuir quase todo o problema ao choque externo, que de fato existe.
A análise dos números mostra que a inflação está bem mais espalhada do que Mantega admite, como pode ser conferido na tabela. Não é só comida: é também vestuário, saúde, serviços pessoais e educação, cujos preços não são formados nas bolsas de mercadorias.
Sem negar o peso do choque da oferta de alimentos, é preciso aceitar a argumentação do Banco Central, para o qual o fator preponderante da inflação brasileira é o forte aumento do consumo interno, de cerca de 10%, não acompanhado por crescimento correspondente da oferta, em especial agora que os preços das importações vêm ajudando menos a conter a inflação.
O fator preponderante é o que os economistas chamam de inflação de demanda, cujo tratamento passa pelo aumento dos juros.
Ainda ontem, a Anfavea, associação que cuida dos interesses da indústria automobilística, mostrou que as vendas de veículos cresceram nada menos que 45,7% em comparação com abril do ano passado e este é só um pedaço da foto.
Há um punhado de fatores que ajudam a explicar a disparada do consumo interno: avanço da renda, aumento do emprego, crescimento de 24% no crédito para pessoas físicas em 12 meses e aumento da confiança do consumidor, que o leva a gastar mais.
No entanto, por trás de tudo está a disparada das despesas do setor público ao ritmo de 12%, mais do que o dobro do avanço da produção interna. Os reais que o governo injeta na economia quando paga contas são gasolina no motor do consumo.
O ministro já passou o recado de que não gosta do aumento dos juros para combater a inflação. Para ele, é hora para usar a margem de escape do sistema de metas que prevê tolerância de 2 pontos porcentuais na meta, que é de 4,5% neste ano. Na prática, Mantega admite como natural, nas circunstâncias, uma inflação de 6,5%. O risco de tal posição é o de o teto transformar-se em piso e a inflação disparar em direção aos 10%.
Mantega tem razão quando afirma que há mais a fazer do que apenas aumentar os juros para ancorar os preços. Mas nada teria impacto maior do que a contenção das despesas do setor público.