Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 03, 2008

Condomínio do futuro: trabalho, compras e moradia

Morar no shopping

Viver, trabalhar e comprar no mesmo lugar
é a idéia dos novos condomínios


Bel Moherdaui

Roberto Setton
PRIMEIRO DA FILA
Parque Cidade Jardim: Chanel à distância de uma descida de elevador

Cidadãos comuns que moram em apartamento, quando dão "uma descidinha", vão tomar sol na piscina ou se esfalfar na esteira da sala de ginástica. Para os futuros moradores do Parque Cidade Jardim, empreendimento grandioso em São Paulo, a tal descidinha pode significar ver as novidades na Chanel, reabastecer a despensa no Emporio Fasano (assim, sem acento) ou mergulhar em acalorada discussão sobre filosofia na Casa do Saber. Está tudo ali, à distância de um elevador e de uma curta caminhada pelo condomínio composto de um shopping center de luxo, nove torres residenciais com apartamentos de 236 a 1 800 metros quadrados e quatro edifícios comerciais. A inauguração neste mês do Parque Cidade Jardim (nessa etapa inicial, só o shopping entra em funcionamento) será a primeira de mais de uma dezena de obras do gênero em andamento ou em projeto no Brasil: um empreendimento que reúne lazer, moradia e trabalho no mesmo espaço. Se no passado morar em cima da lojinha era sinal de atividade comercial incipiente, hoje pode representar a saída para muitos dilemas da vida urbana. "O trânsito e a insegurança nas grandes cidades criam uma situação propícia para esse tipo de projeto", diz Paulo Melo, diretor de incorporação da Odebrecht Empreendimentos Imobiliários, que calcula que 30% dos novos lançamentos da empresa sejam, como se diz no jargão do ramo, multifunções.

Fotos divulgação

LUXO DE ALTO A BAIXO
Apartamento decorado em estilo "muito rico" (acima) e vista do projeto, com as lojas na frente e os prédios de apartamento ao fundo (no alto)

A idéia vem de fora, mais precisamente da apertada Tóquio. O pioneiro conjunto desse tipo é o Roppongi Hills, complexo de 100 000 metros quadrados encravado desde 2003 na capital japonesa e ainda espantoso por suas dimensões. Lá o morador pode ir ao cinema (nove salas), visitar exposições (um museu e uma galeria), fazer compras (lojas como Christian Lacroix e Tiffany), almoçar em um dos oitenta restaurantes, trabalhar, estudar (na Roppongi Academy) e até meditar em um encantador jardim, em estilo japonês, claro. Os 840 apartamentos, divididos em quatro torres, têm entre 50 e 360 metros quadrados. "Nosso sucesso se deve ao fato de termos criado um empreendimento que é uma resposta a necessidades urbanas genuínas, não a projetos teóricos ou ideológicos", disse a VEJA o incorporador Minoru Mori – que dá nome ao mais alto edifício comercial do Roppongi, com 54 andares. Da prancheta da mesma empresa que criou o Roppongi, a americana Jerde Partnership, surgiu o extravagante Kanyon, em Istambul, na Turquia. Inaugurado em 2006, ele tem um vão livre de 180 metros de comprimento todo recortado (daí o "canyon" do nome) que conecta suas diferentes áreas, abrindo-se em um anfiteatro central. Parte dos 179 apartamentos tem janelões que dão para o Estreito de Bósforo, o ponto de passagem entre o Mar Negro e o Mar de Mármara. Igualmente portentosos são o Time Warner, no coração de Nova York, e os complexos que se espalham por Miami e arredores, onde a perspectiva de ir a pé às compras é a única coisa capaz de arrancar moradores dos riquíssimos condomínios fechados.

Divulgação

MODERNIDADE À LA TURCA
O Kanyon, em Istambul: curvas e fendas integram o complexo contemporâneo inaugurado há dois anos

"Nas décadas de 30 e 40, a idéia de verticalidade multifuncional era muito forte. São Paulo mesmo inaugurou alguns complexos nos anos 50, como o Conjunto Nacional e o Edifício Copan. Mas o modelo foi caindo em desuso à medida que ganhou força a separação das atividades comerciais e de serviços e com o nascimento de bairros estritamente residenciais", diz a arquiteta Regina Meyer, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O impulso para o movimento contrário que se observa agora vem de mudanças sociais que vão desde a transformação do ato de comprar numa atividade de lazer em si mesma até, sobretudo no caso do Brasil, a profunda ansiedade causada pela sensação de insegurança. A previsibilidade da economia também ajuda. "Antes, o ciclo tinha de ser muito rápido e ninguém fazia planos para dez ou quinze anos. Esses empreendimentos têm um período de planejamento e maturação mais longo. Por isso, só acontecem em um contexto de estabilidade econômica", analisa José Auriemo Neto, presidente do grupo JHSF, que, além do Cidade Jardim, projeta erguer complexos multifuncionais em Salvador e Manaus e mais um, monumental, num terreno a 60 quilômetros de São Paulo – o Dona Catarina (previsão de conclusão: 2022), uma minicidade com casas, escola, lojas, hotel, hospital, faculdade e centro eqüestre.

Expressando o ponto de vista de incorporador, Auriemo diz que "uma das vantagens de ter tantas atividades em um só empreendimento é que os imóveis podem ser até 30% mais caros". Os apartamentos no Cidade Jardim, por exemplo, variam de 1,8 milhão a 16 milhões de reais e até o fim do ano passado 70% estavam vendidos, incluindo aí a maior das coberturas tríplex, com 1.800 metros quadrados. Também já estão vendidos praticamente todos os apartamentos das nove torres do Praça Villa-Lobos, em São Paulo, o segundo complexo de prédios residenciais grudados a prédios comerciais e a um shopping center na fila de inaugurações. Nos casos absolutos, será possível morar, trabalhar e consumir sem pegar o carro. Só quem enfrenta o trânsito das avenidas marginais de São Paulo, onde estão localizados os dois empreendimentos, pode achar a proposta tentadora.

Arquivo do blog