Ação para baratear o seguro-saúde
só piorou a vida dos consumidores
Marcio Aith
Julia Moraes |
A saúde dos Gonçalves: a família sob o guarda-chuva da empresa |
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Em uma de suas tiradas mais espirituosas sobre a perda de confiança dos americanos no poder público, nos políticos e no exagero de leis, o presidente Ronald Reagan (1981-1989) citou o que seria a frase mais assustadora da língua inglesa: "Oi, eu sou do governo e estou aqui para ajudar". A piada satiriza ações oficiais destinadas a melhorar a vida das pessoas, mas que, no final das contas, criam mais transtornos do que benefícios. A ironia de Reagan tem aplicação universal, atemporal e supra-ideológica. No Brasil, por exemplo, encaixa-se com perfeição às leis e normas que tentam há quase uma década impedir aumentos exagerados dos planos de saúde privados. Desde 2000, com a falência acelerada da saúde pública brasileira e sua pretensa substituição pela saúde complementar privada, o governo, por meio da Agência Nacional de Saúde (ANS), criada naquele ano, não só passou a controlar os reajustes como também ampliou o leque de doenças que os planos são obrigados a cobrir.
A coisa piorou. A intervenção teve efeitos colaterais adversos. Impedidas de alterar os contratos já existentes, as empresas de saúde buscaram outras saídas:
• Elevaram substancialmente o preço dos novos contratos. Há cinco anos o valor de um novo plano de saúde para uma família de quatro pessoas, com hospitais de alto padrão, não passava de 1 000 reais. Hoje atinge 1 700 (um aumento de 70%, contra uma inflação de 34%).
• Abandonaram o mercado de planos individuais, migrando para o segmento empresarial, em que há mais liberdade. Foi o que fizeram, por exemplo, as maiores empresas do setor de seguro-saúde – SulAmérica, Porto Seguro, Bradesco e Itaú.
A SulAmérica explicou assim sua decisão: "Por discordar dos critérios de reajuste praticados pela agência reguladora, a SulAmérica suspendeu a comercialização de planos individuais em 2004. A atuação da companhia no setor de seguro concentrou-se apenas nos negócios corporativos, para grandes grupos e pequenas e médias empresas, segmentos cujos reajustes são determinados em cláusulas contratuais e não estão sujeitos a limites ou autorização prévia da ANS". Essa foi a sucessão de eventos iniciada com um ato de boa vontade do governo. Ainda que os consumidores já cobertos por planos de saúde tenham sido beneficiados com a intervenção oficial, as famílias que pretendiam comprar novos contratos (a imensa maioria da população, em 2004) foram prejudicadas.
O que os sem-plano fizeram?
Parte ficou mesmo sem nenhuma cobertura. Outra buscou saídas de mercado. Um exemplo é o de Renata Gonçalves, 29 anos, dona de uma escola infantil em Guarulhos, na grande São Paulo. Sua escola acaba de fechar um contrato com a operadora de saúde Dix, voltada para microempresas e, por isso, livre dos controles oficiais. Renata conseguiu incluir no plano o marido, a sogra e a cunhada – ainda que os três não trabalhem na escola. Só assim foi possível comprar um plano a preços acessíveis e negociar a cobertura de doenças. Há uma desvantagem: se alguém precisar de atendimento complexo, o reajuste do próximo ano será mais pesado, como forma de repassar parte dos gastos ao próprio consumidor, o que ocorre na maioria dos países. "Sei disso, mas, se tivesse de optar pelo contrato individual, pagaria o dobro para comprar o plano de saúde", explica. A saída original encontrada por Renata e sua família popularizou-se tanto que a ANS já pensa em coibi-la. Quando isso ocorrer, ela será obrigada a procurar outra forma de fugir de leis e regras feitas justamente para protegê-la.