Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 07, 2007

Tonterías' Miriam Leitão O Globo

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 A declaração do assessor internacional do presidente Lula, Marco
Aurélio Garcia, de que não falta liberdade de imprensa na Venezuela
prejudica a verdade, o governo e ele mesmo: a verdade, porque os
fatos são eloqüentes; o governo, porque enfraquece o Senado no
conflito com Hugo Chávez; e ele mesmo, porque exibe a profundidade de
suas convicções democráticas.

Uma rede de televisão de 53 anos foi fechada, depois de o governo
venezuelano ter feito todo tipo de pressão e oferta ilegal de
alinhamento rechaçadas pelo seu proprietário.

Agora o governo ameaça a Globovision com a expressão totalitária de
que ela é "inimiga do Estado".

Uma das reportagens que quis fazer, quando fui lá no meio da greve
geral, foi sobre a relação entre Chávez e a imprensa. Visitei duas
TVs: a estatal Venezolana de Televisión (VTV) e a Globovision.

Na primeira, respirava-se o ar de repartição pública, a programação
era toda voltada para projetos, idéias e infindáveis discursos do
presidente Chávez. Nada vi lá que me lembrasse, de longe, o
jornalismo. Havia uma manifestação na porta da TV a que eles tinham
decidido não fazer menção no noticiário. O diretor de jornalismo
gastou todo o tempo da entrevista numa longa louvação ao grande chefe
Hugo Chávez.

Já na Globovision, vi cenas impressionantes nos arquivos.

Uma delas, foi a de um atentado a bomba praticado pelos círculos
bolivarianos contra a emissora. Outras mostravam jornalistas sendo
constrangidos em público por Hugo Chávez. No meio de uma reunião com
militantes, ele apontava os jornalistas, dizia os nomes e fazia
ameaças veladas. Vi discursos dele, aqueles que faz todos os
domingos, em que diz os nomes e avisa que todos ali sabem seus
endereços. Por fim, vi várias cenas de militantes dos círculos
bolivarianos, grupos civis armados e organizados pelo governo,
atacando fisicamente jornalistas nas manifestações.

Conversei com jornalistas de jornais para entender tamanho ódio. Eles
disseram que o começo do conflito foi a requisição extemporânea, e
quase diária, de rede nacional em horário nobre para expor seus
proselitismos, misturando o culto a si mesmo com o interesse
nacional. Isso desorganizava as grades de programação, punha em
colapso os horários dos comerciais e prejudicava financeiramente as
empresas. Foi o primeiro tiro; dado por Chávez. Daí em diante,
começaram pressões explícitas contra os canais que não o bajulavam.
Jornais impressos também foram vítimas de atentados a bomba e seus
repórteres foram intimidados.

Na entrevista que fiz com Chávez, fui chamada de "louca" após ter
feito uma pergunta que lhe desagradou.

Ele é do tipo: jornalismo bom é o chapa-branca.

O que vi em 2003, o dono da RCTV, Marcel Granier, contou à "Veja": "O
primeiro passo foi a intimidação, a linguagem do ódio. O presidente
passou a usar expressões agressivas para atacar jornalistas,
editores, humoristas e até caricaturistas. Isso incitou ataques
físicos contra eles. Muitos apanharam dos militantes chavistas. Já
vão para mais de 800 jornalistas agredidos. Alguns foram assassinados.

A etapa seguinte foi a pressão econômica, por meio de verbas de
propaganda.

O último ato foi o que fizeram conosco, a tomada do sinal de
transmissão. A mensagem é clara: quem não se portar como Chávez quer
perderá a freqüência." Ouvi de diplomatas brasileiros não apenas
palavras de apoio à maneira como Chávez estava lidando com a
"imprensa de oposição", como a informação de que a TV de Gustavo
Cisneros, a Venevision, continuaria funcionando porque Cisneros havia
"se entendido" com o presidente.

É o tipo de pensamento que está refletido nessas declarações de Marco
Aurélio Garcia de apoio aos atos arbitrários de Hugo Chávez.

— Até agora não vi qualquer tipo de restrição à liberdade de imprensa
— disse Garcia, no meio das ofensas do ditador venezuelano ao Senado
brasileiro. Pelo visto, Garcia acha que o Senado não tem razão.

E que Chávez não reclame de intervenção em assuntos internos, pois é
isso que faz cotidianamente. Comenta assuntos internos, interfere,
toma partido em brigas locais de vários países. Foi capaz de
aproveitar um evento no qual foi homenageado no Rio para, da tribuna
do Palácio Tiradentes, criticar o jornal O GLOBO, exibindo uma edição.

Um ato que seria sério não fosse patético.

O argumento de Marco Aurélio de que o fechamento da RCTV foi legal
mostra que ele não captou o ponto mais grave do que se passa na
Venezuela: Chávez usa as instituições, apodera-se delas, dá um ar de
legalidade às mais brutais ilegalidades.

Granier contou que, das 6.000 decisões do Tribunal Superior de
Justiça, somente seis foram contra o governo, e os juízes que as
tomaram foram substituídos. Chávez está seqüestrando uma a uma as
instituições democráticas. Isso é tão claro que ou o assessor de Lula
tem tido dificuldade de percepção ou apóia esse tipo de prática.

O que está acontecendo na Venezuela é perigoso e nos diz respeito,
porque ameaças à liberdade dizem respeito aos democratas em geral. O
governo brasileiro, que na greve geral interferiu no conflito interno
fornecendo gasolina para furar a greve, agora usa o biombo da não-
interferência para, de novo, ser ambíguo. O presidente Lula fez uma
fraca declaração em defesa do Senado e seu principal assessor, ao seu
lado, deu razão e defende Hugo Chávez. O episódio mostra a
profundidade das convicções democráticas de certos assessores
presidenciais.

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