Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 07, 2007

O irmão, o compadre e a batota Estado

O irmão, o compadre e a batota

Todo político tem um séquito: é da natureza do ofício. O séquito,
naturalmente, tem uma hierarquia. No topo, ficam os poucos e bons
operadores da mais estrita confiança do prócer - a exemplo do
falecido Sérgio Motta, no caso de Fernando Henrique, e de Gilberto
Carvalho, no caso do presidente Lula. Eles não apenas são incumbidos
de missões delicadas e sigilosas, como ainda funcionam como
conselheiros do chefe. No sopé dessa estrutura estão os seus paus-
para-toda-obra, tarefeiros que abrem portas, guardam costas, dirigem
carros, carregam volumes, para o político e seus familiares.

Nada mais natural que, subindo o político na vida, membros dessa
arraia-miúda de autodenominados "assessores" sejam procurados por
espécimes do submundo da periferia do poder e a eles se associem no
crime. São figurantes que o chefe pode ou não conhecer pessoalmente,
mas há de saber quando se valem da sua conexão consigo, ainda que
remota, para conseguir uma boquinha numa repartição - no mínimo.

Eis o material com que habitualmente se confeccionam as teias
pegajosas como a que a Operação Xeque-Mate, da Polícia Federal (PF),
acaba de romper, no combate à máfia dos caça-níqueis. A
peculiaridade, agora, é a presença nesse circuito de um irmão e de um
compadre do presidente da República. O primeiro, Genival Inácio da
Silva, o Vavá, foi indiciado sob a acusação de tráfico de influência
no Executivo e exploração de prestígio no Judiciário. O segundo,
Dario Morelli Filho, apontado como sócio do batoteiro Nilton Cezar
Servo, o 79º preso pela PF em seis Estados, é acusado de corrupção
ativa e formação de quadrilha. Desta vez respeitando estritamente o
sigilo de Justiça que recobre a operação, os federais não divulgaram
os nomes das autoridades junto às quais teriam delinqüido. De outra
parte, não há o mais tênue indício de que, a serem verdadeiras as
ações de que são acusados o irmão e o compadre, Lula tivesse motivo
para delas suspeitar, antes de ser informado pelo ministro da
Justiça, Tarso Genro, da operação em preparo.

A conduta do presidente, aliás, foi nada menos do que irretocável. Ao
que se sabe, não moveu uma palha para impedir que se expedisse o
mandado judicial de busca e apreensão na casa de Vavá. Ao ser
entrevistado, em Nova Délhi, pelos jornalistas que o acompanham na
viagem, tomou a iniciativa de revelar que é padrinho de um filho de
Morelli. Foi elegante com o irmão - a quem repreendera de público, em
2005, quando se divulgou que tentava fazer lobby para empresas do ABC
junto ao Planalto -, dizendo enfaticamente "não acreditar mesmo, de
verdade", que ele tenha parte com a gangue da tavolagem, que
contrabandeava componentes eletrônicos para os caça-níqueis e, de
quebra, traficava drogas. Mas, falando "como presidente", emendou,
"se a Polícia Federal tinha uma autorização judicial e o nome dele
aparecia, paciência". Do compadre, disse pouco: "Se foi preso, será
investigado, interrogado e, depois, haverá um veredicto." Morelli é o
típico sequaz de político descrito no início deste texto.

Faz-tudo da família de Lula, escoltou o candidato presidencial em
eleições anteriores (e José Dirceu, em 1994), fez bicos para o PT e o
sindicato dos metalúrgicos, abriu uma firma de segurança e,
apadrinhado do petismo, enveredou pelo setor público: conseguiu
emprego numa empresa municipal em Mauá, numa secretaria da Assembléia
Legislativa e, ultimamente, na área de saneamento da prefeitura de
Diadema, da qual foi afastado anteontem. Aparentemente, envolveu-se
com caça-níqueis ao cuidar da segurança de uma casa de bingos. Então
teria conhecido o ex-deputado estadual paranaense Nilton Cezar Cervo,
tido como o capo da quadrilha. Este é outro personagem do submundo da
política: ao trabalhar nas campanhas de Zeca do PT, em Mato Grosso do
Sul, acabou conhecendo Lula, de quem passou a se dizer amigo e
comensal. Depois, teria pedido ao presidente que legalizasse os
bingos. A PF registrou pelo menos um telefonema dele a Vavá. Em suma,
ele, Morelli e o bingueiro estavam na mesma ciranda.

Deveria o presidente ter se informado dos negócios do irmão e do
compadre? Seria o ideal. Mas essa saudável curiosidade é incomum
entre os políticos brasileiros. Talvez porque saibam que quem procura
acha.

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