Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 07, 2007

Privatizar para o social CARLOS ALBERTO SARDENBERG O Globo

Há uma onda de privatização nos Estados Unidos. Prefeituras e
governos estaduais estão "vendendo" estradas, portos, aeroportos,
estacionamentos, sistemas de água e esgoto e até mesmo as loterias.

O maior negócio já realizado foi a concessão de uma rodovia no estado
de Indiana, que saiu por US$ 3,8 bilhões, valor pago na frente por um
consórcio de duas empresas, uma americana (Macquarie) e outra
espanhola (a empreiteira Cintra). Trata-se de uma concessão de 75
anos. Esse mesmo grupo havia arrendado um sistema de pontes e
viadutos em Chicago por US$ 1,8 bilhão.

Os negócios em andamento podem chegar a cifras astronômicas. Segundo
cálculos da "Business Week", prefeituras e governos estaduais podem
embolsar nada menos que US$ 100 bilhões nos próximos dois anos,
contra apenas US$ 7 bilhões nos últimos dois anos.

É curioso. Como é que a privatização dos serviços públicos chega só
agora nos Estados Unidos? Mais ainda: como é que essa onda aparece
nos EUA, a terra do capitalismo liberal, só depois de ter passado
pela Europa, mais propensa à socialdemocracia e ao estatismo? Uma
primeira resposta está no modo de gestão pública nos Estados Unidos.
É comum que prefeituras contratem executivos, profissionais de
mercado, para a administração.

O prefeito, político eleito, define as linhas de ação, mas a gestão é
profissional.

E, mesmo quando não há gerentes de fora, a administração pública, com
freqüência, procura seguir as regras da gestão privada.

No limite, órgãos públicos atuam como empresas privadas. Eis um
exemplo. Na Pensilvânia, o governo abriu licitação para arrendar a
principal rodovia do estado.

Diversas companhias privadas apresentaram suas propostas, como
esperado. Mas também entrou na licitação a autarquia estadual
encarregada da gestão das estradas, que vem a ser a atual
administradora da rodovia. É como se, aqui no Brasil, o Departamento
Estadual de Estradas de Rodagem entrasse na licitação feita pelo
próprio governo.

Na Pensilvânia, os executivos da autarquia reclamaram da
privatização, dizendo que poderiam gerir a estrada com a mesma
eficiência do setor privado e com mais vantagens para a população.
O.k., entrem na licitação, foi a resposta.

Além dessa gestão pública mais eficiente e mais aberta, outro fator
que atrasou, digamos assim, a onda de privatização foi a ampla oferta
de financiamento para prefeituras e governos estaduais. Dadas as
finanças equilibradas, as entidades da administração pública não
tinham dificuldade em levantar dinheiro no mercado privado com a
colocação de bônus.

Essa situação está mudando. Prefeituras e governos, endividados,
enfrentam um forte crescimento nas despesas. Primeiro, a própria
infra-estrutura, construída há 15, 20 anos, precisa de obras de
conservação e/ou ampliação. Segundo, crescem os gastos sociais,
especialmente com saúde e aposentadorias.

Como o endividamento público já é elevado, a alternativa para
aumentar a receita é uma muita conhecida entre nós, a elevação de
impostos, taxas e contribuições.

Nessa linha, o governo da Pensilvânia discutiu um programa de aumento
de impostos para financiar obras de manutenção em seis mil pontes
estaduais.

Depois dos debates, porém, trocou essa idéia pelo arrendamento da
principal rodovia do estado. Na mesma Pensilvânia, um candidato a
prefeito de Filadélfia apresentou na campanha a proposta de
privatizar o aeroporto internacional da cidade, para gastar os
recursos assim obtidos com programas de combate à pobreza.

E aí está onde queríamos chegar. O caminho escolhido foi: privatizar
para aumentar o gasto público sem elevar a carga tributária.

Mas, tal é a crítica, as tarifas e os pedágios nos serviços
privatizados tendem a subir, justamente para remunerar o
administrador, que deu dinheiro adiantado à prefeitura ou ao governo
do estado. Mas aí é diferente de imposto. Pedágios e tarifas são
pagos exclusivamente pelos usuários diretos. Além disso, os contratos
vinculam reajustes a melhorias no serviço.

Nos EUA, algumas concessões de estradas prevêem até o tempo em que um
buraco deve ser tapado. O não-cumprimento das normas pode levar ao
cancelamento da concessão.

Eis um programa para o Brasil: o governo concede ou arrenda e/ou
vende aeroportos, portos, rodovias, usinas e o que mais tiver, junta
todo o dinheiro obtido em um fundo, que financia programas sociais
por muitos e muitos anos. Na boca de FHC, seria neoliberal. Na de
Lula, passa como projeto social, fácil

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