Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 07, 2007

Quem manda Merval Pereira O GLOBO

A confirmação do delegado Paulo Lacerda na chefia da Polícia
Federal veio quase a fórceps, para evitar a agudização de uma crise
latente dentro da corporação que já vinha causando estragos. O
ministro da Justiça, Tarso Genro, passa a ter um chefe de polícia
quase intocável, mas pelo menos agora sabemos quem manda. O temor em
Brasília, entre governistas e oposicionistas, era de que a Polícia
Federal permanecesse completamente fora do controle do governo devido
a uma disputa interna entre grupos pela sucessão do próprio Lacerda,
que anunciara o desejo de sair junto com o ex-ministro Marcio Thomaz
Bastos.

Disputas internas na Polícia Federal não são novidades, e nem mesmo o
temor do uso de seus instrumentos de investigação, como grampos, para
fins políticos ou defesa de interesses próprios ou corporativos. No
governo Fernando Henrique, o delegado Vicente Chelotti chegou a ser
visto como intocável, e circulavam rumores de que ele possuía
gravações que o colocavam nessa situação, especialmente depois que,
por conta própria, viajou ao Caribe para investigar o chamado dossiê
Cayman, conjunto de documentos falsos que procuravam incriminar
líderes do PSDB, inclusive o então presidente Fernando Henrique, com
contas secretas no exterior.

A investigação da Polícia Federal acabou chegando a quem falsificou e
vendeu tais documentos, mas foi demorada e utilizada como trunfo
político. Houve também um chefe da Polícia Federal que durou apenas
três dias no cargo: João Batista Campelo, acusado de ter participado
de torturas no período militar, renunciou ao cargo. A acusação de
politização das investigações também é recorrente, sendo a mais
famosa a operação na empresa Lunus, do Maranhão, que apreendeu maços
de dinheiro "não contabilizado" e atingiu de morte a campanha
presidencial de Roseana Sarney.

Na ocasião, a operação foi atribuída a uma suposta influência que o
então candidato tucano José Serra exerceria sobre parte da Polícia
Federal. Pois a disputa entre forças dentro da corporação estava
novamente acesa desde que a saída de Paulo Lacerda fora dada como
certa, e a utilização das operações da Polícia Federal como
instrumento político, pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomaz
Bastos, no final de 2005, para demonstrar que o governo não era
condescendente com a corrupção, acabou servindo também à disputa dos
grupos.

Essa disputa ficou evidenciada também durante a campanha
presidencial, quando a Polícia Federal prendeu um grupo que negociara
um dossiê político contra os candidatos tucanos.

Ao contrário das vezes anteriores, a pilha de dinheiro apreendida não
foi mostrada oficialmente, sob o pretexto de que serviria a fins
políticos, isso é, contra a candidatura à reeleição de Lula.

A foto, afinal, foi liberada clandestinamente por um delegado que não
concordou com a "proteção", e ficou evidenciado que questões
políticas interferiam no trabalho da Polícia Federal, que, apesar de
muito competente em várias ocasiões, até hoje não desvendou de onde
saiu o dinheiro que comprou o dossiê.

O deputado federal Ciro Gomes, adepto de teorias da conspiração, fez
um comentário, registrado na coluna de Teresa Cruvinel, que é
exemplar do grau de desconfiança que tomou conta dos políticos em
Brasília: "O nome da operação é Xeque-Mate, que no xadrez é uma
jogada que empareda o rei. Será mera coincidência?". Realmente não há
nada na operação policial que justifique o nome, ainda mais quando se
sabe que a Polícia Federal tem se esmerado em arranjar nomes
criativos para chamar a atenção sobre suas operações.

O xadrez não é um jogo eletrônico usual nos bingos espalhados pelo
país, e, portanto, a preocupação de Ciro Gomes é justificada. Sabese
agora que, ao ser informado sobre a ação policial na casa de seu
irmão, o presidente Lula demonstrou todo seu desagrado ao ministro
Tarso Genro, uma reação natural de quem tem um parente envolvido numa
situação dessas, mas a reação pública do presidente mostra também
como ele está perturbado com a situação.

Ao mesmo tempo em que teve que aplaudir a Polícia Federal e repetir
que quem não quiser ser molestado por investigações que ande dentro
da lei, ele garantiu que tem certeza de que seu irmão Vavá não está
metido em nada ilegal. Ora, ou uma coisa ou outra. Se a Polícia
Federal sempre anda dentro da lei e só alcança quem deve alguma coisa
à Justiça, como dizia o presidente até a Operação Xeque-Mate, Vavá
está metido numa enrascada, já que foi indiciado pela Polícia Federal.

O indiciamento do irmão do presidente tão rapidamente pode indicar
uma tentativa de grupos da Polícia Federal de intimidar o Palácio do
Planalto.

A Polícia Federal tem que ser independente nas suas investigações,
mas não pode ser um órgão autônomo, sair do controle do governo.

Ela faz parte de uma máquina governamental de segurança pública que
tem de obedecer a uma orientação geral. Não pode ser usada pelo
governo com interesses políticos, nem pode ter interesses próprios
para presidir suas investigações.

Para definir a situação em que vivemos, é exemplar um diálogo entre o
presidente americano Roosevelt e o famoso chefe do FBI Edgard Hoover,
que permaneceu à frente do órgão até a morte, por 48 anos, oito
presidentes e 19 secretários de Justiça : "Parabéns pelo excelente
trabalho que vem realizando", diz Roosevelt.

"Tenho que ser competente para defendê-lo, e o país, dos inimigos",
responde Hoover.

"Pois saiba que o temo mais que (a) os meus inimigos", afirma Roosevelt.

Arquivo do blog