...da Venezuela.
Os jovens estão nas ruas em defesa da
democracia e da liberdade de expressão
Duda Teixeira, de Caracas
Gregorio Marreo/AP |
Em Caracas, universitários mostram que a manifestação era pacífica, na semana passada: pela liberdade de expressão |
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Há bastante tempo se esvaneceu qualquer dúvida de que o presidente Hugo Chávez está a meio caminho de instalar uma ditadura personalista na Venezuela. O projeto autoritário que move o coronel, no poder há oito anos, culminou com o fechamento da RCTV, o canal de televisão de maior audiência no país, na noite do domingo 27. Era uma das duas únicas emissoras a exercer um jornalismo independente do governo. O decreto que tirou o canal do ar – e o substituiu por outro, controlado pelo governo – tinha tudo para ser apenas mais um dos abusos de poder que Chávez cometeu sem enfrentar resistência. Desta vez foi diferente. Durante cinco dias consecutivos, na semana passada, milhares de estudantes de universidades públicas e privadas saíram às ruas das cidades venezuelanas para protestar. Ao contrário dos universitários paulistanos que ocuparam a reitoria da Universidade de São Paulo por motivos paroquiais, os jovens venezuelanos tinham uma causa nobre: a defesa da liberdade de expressão. "Estamos nas ruas para defender um direito humano", disse a VEJA Rosa Benitez, 21 anos, estudante de nutrição da Universidade Central da Venezuela, em Caracas. Vestida de preto, a cor escolhida pelos universitários para as manifestações da sexta-feira, ela resumiu assim sua motivação: "Não somos políticos nem golpistas, somos apenas estudantes defendendo a liberdade de dizer o que pensamos".
Os universitários não foram mais afetados pelo fechamento da RCTV do que outros telespectadores venezuelanos, que perderam sua principal opção de entretenimento e informação na TV – o canal tinha mais de 40% da audiência nacional. Ficou claro para os jovens, no entanto, que a mordaça imposta por Chávez à imprensa venezuelana prejudica todos os cidadãos e logo chegará às universidades. "Até pouco tempo atrás, os estudantes davam pouca atenção às ações autoritárias de Chávez porque ele tinha um discurso de transformação social que sempre cai bem nos ouvidos dos jovens", diz Adolfo Herrera, diretor da Escola de Comunicação Social da Universidade Central da Venezuela. "O episódio da RCTV fez com que eles acordassem para o fato de que a Venezuela está caminhando para uma ditadura."
Em um país em que o medo de falar mal do governo em público se alastra como uma epidemia, alimentada pelas represálias adotadas por Chávez contra qualquer um que discorde de seu governo, manifestações como as da semana passada surpreendem. É comum ouvir de venezuelanos pedidos de desculpa por não poderem expor publicamente suas opiniões. Quem entra nas listas de oposicionista, preparadas pelo regime chavista, fica impedido de ocupar cargo público ou mesmo de conseguir emprego em empresa que preste serviço ao governo. O risco de ser vítima de violência também assusta. Os venezuelanos levaram a sério quando Chávez disse na semana passada, em tom inequívoco de ameaça, que quem participasse de protestos poderia se machucar. De mãos limpas, os universitários foram recebidos pela polícia com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Muitos manifestantes foram agredidos por motoqueiros mascarados ligados a organizações chavistas. A polícia chegou a prender 200 estudantes em meia dúzia de cidades, com a acusação falsa de que estavam armados.
Pelo grau de controle que Chávez tem sobre as instituições políticas, judiciárias e militares do país, são escassas as chances de que os protestos possam levar o coronel a abandonar seus planos ditatoriais. Muitos venezuelanos, no entanto, acreditam que a mobilização popular deverá atrasar o próximo passo de Chávez: mudar a Constituição para permitir a própria reeleição indefinidamente. Isso porque as pesquisas mostram que 80% dos venezuelanos são contra o fechamento da RCTV. No trânsito caótico de Caracas, impressiona a quantidade de carros com os dizeres "RCTV – Liberdade" escritos nos vidros. Para a infelicidade de Chávez, os venezuelanos preferem a democracia.
Reuters |