Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 09, 2007

Doenças metabólicas em portadores de HIV

Além do HIV,...

...os portadores do vírus da aids têm de enfrentar
o colesterol alto, o diabetes e a osteoporose


Adriana Dias Lopes

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Quadro: O que acontece e por que acontece

Silvia Almeida, de 43 anos, convive com o HIV desde os 20, quando foi contaminada pelo marido. Em 1997, começou a ser medicada com o coquetel antiaids. Ela jamais manifestou algum sintoma da doença, até que, recentemente, durante uma consulta médica de rotina, descobriu que estava com excesso de gordura na corrente sanguínea, um importante fator de risco para os males cardiovasculares. Em menos de um ano, a concentração de triglicérides saltou de 100 miligramas por decilitro de sangue para 190. A de LDL, o colesterol ruim, de 150 para 250. O caso de Silvia é exemplar de um novo capítulo da história do tratamento da síndrome: o aumento da vulnerabilidade dos portadores do HIV, em tratamento com o coquetel antiaids, às doenças metabólicas. Entre esses pacientes, a incidência de hipercolesterolemia, por exemplo, chega a 60% – o dobro da registrada na população em geral.

Na história da medicina, são raros os registros de uma doença que tenha mudado tanto de características quanto a aids. No início da epidemia, na década de 80, a presença do HIV no organismo representava uma sentença de morte quase que imediata. Entre o diagnóstico e a fase terminal, transcorriam, em média, cinco meses. Com a chegada ao mercado do primeiro remédio anti-HIV, o AZT, lançado em 1986, os pacientes passaram a viver cerca de um ano com a doença. Só em meados da década passada, com a criação do coquetel antiaids, foi possível recuperar a capacidade do sistema imunológico dos infectados pelo vírus. Composto de dezessete medicamentos, de quatro classes distintas, o coquetel permitiu prolongar a vida dos portadores do HIV por tempo indeterminado. No Brasil, dos 600 000 soropositivos, 180 000 são beneficiados com o tratamento.

A contrapartida desse sucesso são as doenças metabólicas. Muitas delas se enquadram no grupo das reações adversas do coquetel. Outras são deflagradas por causa do longo tempo de exposição do organismo ao HIV (veja quadro). Como esse é um campo de investigação médica ainda muito incipiente, não foram desvendados todos os mecanismos que deflagram o surgimento dos males metabólicos. Já se sabe, contudo, que alguns dos remédios do coquetel, especialmente os inibidores de protease, dificultam a absorção das moléculas de gordura pelas células. "Como tais medicamentos têm uma estrutura molecular muito parecida com a das enzimas que quebram a gordura, o organismo se confunde e essas enzimas perdem a função. Com isso, sobra gordura na corrente sanguínea", diz o cardiologista Bruno Caramelli, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia e do Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. Esse é o primeiro passo para o entupimento das artérias. Outros remédios do coquetel podem também dificultar a ação da insulina no organismo, facilitando o aparecimento de diabetes. Há, ainda, o comprometimento da produção de vitamina D, essencial para a construção de um esqueleto forte.

Os estudos mais recentes indicam que, depois de muito tempo no organismo, o HIV danifica a parede dos vasos sanguíneos, deixando-os mais suscetíveis ao acúmulo de placas de gordura. Uma das primeiras – e mais conclusivas – pesquisas sobre o assunto foi publicada em 2004 na revista especializada Circulation, da Associação Americana do Coração. Os pesquisadores mostraram que, em apenas um ano, a espessura das artérias carótidas dos soropositivos aumentou 0,074 milímetro. Pode parecer pouco, mas não é, quando se leva em conta que a densidade esperada para uma carótida é de no máximo 1 milímetro. Principal canal de irrigação sanguínea do cérebro, uma carótida mais espessa torna-se mais rija e vulnerável a entupimentos. Se o suprimento cerebral de sangue é interrompido, a ameaça é de derrame.

Assim como ocorre com a população em geral, em portadores de HIV as doenças metabólicas podem ser revertidas com mudanças no estilo de vida. Silvia Almeida, por exemplo, não precisou recorrer a medicamentos para baixar os níveis de gordura no sangue. Bastou que ela aderisse a uma dieta saudável e à prática regular de exercícios físicos. Um dos poucos trabalhos sobre o impacto dessas mudanças nas taxas de triglicérides e de LDL, entre os infectados pelo vírus, foi realizado por médicos do Incor, em parceria com a Casa da Aids, do Hospital das Clínicas. Ter uma dieta balanceada, praticar caminhada de quarenta minutos quatro vezes por semana e abandonar o cigarro compõe uma rotina capaz de, em dois meses, normalizar as taxas de gordura no sangue de 20% dos soropositivos em tratamento com o coquetel. Depois desse período, aos que não conseguiram aderir a um estilo de vida saudável ou não conseguiram atingir a normalidade, foram dados remédios específicos para o controle de doenças metabólicas. Em cinco meses, todos eles estavam com taxas normais de colesterol e triglicérides.




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