Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 10, 2007

AUGUSTO NUNES SETE DIAS

A hora da chuva de moedas

A travessia do primeiro mês na cadeia foi feita em completa mudez pelo empresário, que tivera decretada pela Justiça a prisão cautelar. Só depois de 30 dias resolveu quebrar o silêncio - e então falou com a loquacidade de quem estava grávido de saudade da própria voz. Terminado o depoimento, consumara-se a montagem do painel de horrores forjado por parcerias promíscuas, e espantosamente lucrativas, entre empreiteiros, industriais, chefes de partidos políticos, altos funcionários, ministros e pelo menos um chefe de governo.

Na procissão de delinqüências, predominavam licitações fraudulentas, obras públicas superfaturadas e barganhas abjetas com políticos cuja eleição fora financiada pelos quadrilheiros. Todos agiam assim, contou o depoente.

O Brasil destes tempos tristonhos implora por uma versão em português do episódio ocorrido na Itália em fevereiro de 1992. "Tutti rubiano cosi", começou o depoimento do empresário Mario Chiesa, em Milão, aos condutores da Operação Mani Puliti (Mãos Limpas, em italiano).

"Todos roubamos assim", poderia ter repetido em Brasília, 15 anos depois, o empreiteiro Zuleido Veras, chefe do bando capturado pela Operação Navalha. Ou, antes dele, por tantos outros similares nativos de Chiesa. Na pátria da roubalheira e da impunidade, Zuleido é só mais um.

A Operação Mãos Limpas provocou avanços admiráveis na Itália dos anos 90. A prisão de supostos intocáveis - centenas - avisou que a lei passara a valer para todos. O ex-primeiro-ministro Bettino Craxi só se livrou da gaiola por ter fugido para a Tunísia, onde morreria, em janeiro de 2000.

Amargou o exílio involuntário de esconderijo em esconderijo, sobressaltado por qualquer batida na porta. Poderia ser a mão da Justiça. Ou o prenúncio de uma chuva de moedas semelhante à que o humilhara, naquela tarde aziaga, à saída do hotel onde a multidão enfurecida estava à espreita.

Raríssimos magistrados sabem tanto sobre a Operação Mãos Limpas quanto o brasileiro Walter Maierowitch. PhD em criminalidade vip, com apenas 60 anos, o desembargador aposentado acha que não viverá para ver a reprise, no Brasil, da metamorfose desencadeada há 15 na Itália.

Um Zuleido Veras, um Delúbio Soares ou um Marcos Valério, ressalva, fariam bonito no papel de Mario Chiesa. Mas só costuma abrir o bico quem teme castigos que por aqui não há. Os enquadrados na Operação Mãos Limpas ficaram até o fim do julgamento em prisão cautelar, que na Itália não é limitada por prazos rígidos. Todos pressentiram que as penas seriam severas. E alguns preferiram o suicídio à desonra.

No Brasil, a alta bandidagem sabe que cadeia é para os outros. Que a prisão provisória dura só alguns dias, ou poucas horas. Alguns se constrangem pela troca de pulseiras por algemas. Mas ninguém deve matar-se por tão pouco.

Durante décadas, assim foram as coisas também na Itália. Até que uma chuva de moedas espantou Milão.


Oremos, senhores passageiros

O Brasil inteiro exige explicações - imediatas, plausíveis, consistentes - para a colisão entre o Boeing da Gol e o Legacy fabricado pela Embraer. É essencial identificar responsáveis, castigar culpados, indenizar as famílias das vítimas e, sobretudo, tomar todas as medidas necessárias para evitar reincidências. Mas até os cretinos fundamentais de Nelson Rodrigues sabem que a tragédia no céu de Mato Grosso foi conseqüência, e não causa, do colapso da aviação civil. O erro humano só precipitou a consumação de um desastre que poderia ter ocorrido muito antes, e poderá repetir-se a qualquer momento. Porque nada mudou.

Os controladores de vôos - poucos, sem preparo adequado e mal remunerados - monitoram equipamentos obsoletos, aparelhos em frangalhos, sistemas de comunicação que deixariam em pânico um piloto de Serra Leoa. Freqüentemente à beira da exaustão, torcem para que aquele ponto que pisca na tela não seja tragado por algum buraco negro sobre serras ou selvas.

Com a queda do Boeing da Gol, constatou-se que o governo não investira sequer alguns trocados no sistema de segurança dos vôos. Meses depois de escancarado o apagão aéreo, nada foi feito. A próxima tragédia é questão de tempo. Oremos.

Um pedinte incansável

Em 12 de outubro de 1992, ao embarcar para a última viagem, Ulysses Guimarães esqueceu duas ou três anotações manuscritas na casa onde se hospedara em Angra dos Reis. "Paes: CEF", registrava uma delas. Ulysses morreu preocupado em alojar o cearense Paes de Andrade na cúpula da Caixa Econômica Federal.

Quase 15 anos depois, o incansável pedinte chegou lá: vai ganhar do governo Lula uma vice-presidência da CEF. Não fura poços, como aquela de Severino. Mas escava excelentes negócios.


O governo do Maranhão replica

Em resposta a uma nota publicada neste espaço no domingo passado, o chefe da assessoria de comunicação do governo maranhense, José Raimundo Pinheiro Neto, enviou à coluna mensagem com reparos ao texto, abaixo integralmente reproduzidos:

1. "(...) o governador Jackson Lago reconheceu a voz de um sobrinho incrustado na máquina administrativa". Nem esse sobrinho nem o outro também acusado eram ou são funcionários, concursados ou comissionados, do governo. Não estavam e não estão na máquina administrativa.

2. "O jovem pilantra continua a freqüentar o palácio". Nenhum dos dois sobrinhos acusados freqüenta o palácio. E não foram ao palácio depois de serem libertados.

3. "E reuniões domésticas que decidem, além de questões familiares, a melhor porcentagem". Nenhum dos dois sobrinhos acusados freqüenta reuniões domésticas com a presença do governador. Nem para decidir questões familiares e muito menos para decidir "a melhor porcentagem".

A nota, como boa parte do material que tem sido publicado, parte do pressuposto de que o governador Jackson Lago é culpado. As investigações mostrarão que não é.

10 / 06 / 2007

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