Contratos de locação obtidos por VEJA mostram que
o lobista Gontijo era devedor solidário de tudo o que
o senador Renan diz que pagava a Mônica. A venda do
flat e os pagamentos feitos no escritório da Mendes Júnior
têm mais jeito de sociedade do que de amizade
Policarpo Junior
Celso Junior/AE |
A reportagem de capa da edição passada de VEJA informava que certas despesas do senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, foram pagas por um velho amigo, o mineiro Cláudio Gontijo, lobista da Mendes Júnior, uma das maiores empreiteiras do país. A reportagem mostrou que o lobista se ocupou do pagamento da pensão para uma filha do senador e do aluguel do apartamento onde a criança morava com a mãe, a jornalista Mônica Veloso. Na própria reportagem, o lobista admitiu que fazia os pagamentos, mas negou que o dinheiro lhe pertencesse. Na segunda-feira passada, diante da gravidade da denúncia, Renan Calheiros leu uma explicação no Senado em que admitiu ter usado os serviços do lobista, mas apenas como seu pombo-correio. Como fizera a VEJA antes, ele garantiu aos seus pares que o dinheiro era seu. O senador disse ter provas da origem do dinheiro em relação aos pagamentos feitos de dezembro de 2005 em diante.
Na semana passada, VEJA descobriu uma intrigante sobreposição de fatos. Justamente no período em que Renan diz não ter provas dos pagamentos – antes de dezembro de 2005 – o lobista Gontijo surge em documentos como devedor solidário do presidente do Senado. A revista obteve cópias de contratos em que esses favores estão registrados. Coincidência apenas? O Conselho de Ética, que examina a relação de Renan com o lobista, tem o poder de desvendar se o dinheiro usado por Gontijo para pagar as despesas de Renan era dele mesmo, do senador ou de outra fonte qualquer. O advogado de Mônica e a própria jornalista têm convicção formada a respeito da origem do dinheiro e não a escondem. Será muito útil ouvi-los oficialmente a respeito.
Luiz Antonio/Ag. Lar | |
A CASA Até março de 2005, Mônica Veloso e sua filha moraram numa casa (à esq.). No contrato de aluguel, reproduzido à direita, o fiador era o lobista Cláudio Gontijo |
Nos dois contratos de aluguel de Mônica Veloso, o fiador é sempre o lobista. O primeiro contrato foi firmado em 16 de março de 2004 e se referia ao aluguel de uma ampla casa, com quatro quartos, piscina e churrasqueira, localizada no Lago Norte, um dos bairros nobres de Brasília. O aluguel saía por 4.500 reais. Mônica e a filha do senador residiram nessa casa por um ano apenas, de março de 2004 a março de 2005 – e o aluguel foi pago adiantado, numa parcela só, em torno de 40 000 reais. O segundo contrato, assinado em 3 de março de 2005, é de um apartamento. O aluguel, nesse caso, é de 4.000 reais. O lobista deixou de pagar o aluguel do apartamento em novembro de 2005, um mês antes do início da contagem oficial do senador para o período em que diz ter como comprovar que o dinheiro era seu. Desde então, tendo o lobista deixado de bancar o aluguel, o assunto foi parar na Justiça. Mônica responde a uma ação de despejo, mas ainda mora no imóvel.
Do ponto de vista estritamente legal, a existência dos contratos de aluguel, com a fiança do lobista da Mendes Júnior, enfraquece o cerne das explicações do senador. O responsável legal – e último – pelo pagamento do aluguel é o fiador. O lobista era, portanto, a garantia de que o pagamento seria honrado perante o locador, a imobiliária e a Justiça. Na semana passada, o advogado Pedro Calmon Filho, que trabalha para Mônica, negou que sua cliente fosse amiga de Gontijo, desmentindo a afirmação do senador. "A minha cliente nunca tinha visto Cláudio Gontijo, não tinha relação de amizade nenhuma com ele, foi apresentada pelo senador", disse o advogado em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo. Por que o lobista aceitaria ser fiador de uma mulher que mal conhecia? Ele o fez a pedido do senador e, assim, tornou-se o responsável legal pelo aluguel de uma estranha. Mas será que efetivamente pagou os aluguéis? Na semana passada, por meio do seu advogado, a jornalista confirmou que suas despesas corriam por conta do lobista. Sabe-se que, no decorrer das negociações mais tensas entre Renan e Mônica no passado, o lobista sempre aparecia com propostas ousadas de conciliação, a ponto de ela se queixar disso ao senador e a seu advogado. Mas isso, por enquanto, não vem ao caso do dinheiro.
Luiz Antonio/Ag. Lar | |
A SEGURANÇA Acima, o prédio onde fica a empresa Artec, que prestou segurança para Mônica Veloso e sua filha. À direita, o contrato do serviço |
Para garantir a versão do senador, seus advogados chegaram a procurar o advogado de Mônica no sábado 26. Propuseram que ela assinasse uma declaração dizendo que o lobista era apenas intermediário do dinheiro, mas não o dono dos recursos. A jornalista se recusou a participar da farsa. É possível que os contratos de aluguel, salvo algum documento que ainda não tenha vindo a público, sejam a prova mais contundente possível da promiscuidade financeira entre o senador e o lobista. Isso porque os pagamentos do lobista à jornalista eram feitos em dinheiro vivo, justamente para não deixar rastro, o que dificulta o surgimento de provas cabais. Todos os meses, a jornalista ia até o escritório da Mendes Júnior, localizado no 11º andar de um edifício no centro de Brasília. Ali, apanhava um envelope com o dinheiro, da pensão alimentícia e, quando era o caso, do aluguel. Na semana passada, VEJA teve acesso – mas não obteve cópia – de mais um elemento a comprovar o esquema. Foram oito envelopes pardos dentro dos quais o dinheiro foi entregue. Num deles, por exemplo, consta o nome da empreiteira ("Mendes Júnior Trading e Engenharia") e uma anotação manuscrita do destinatário ("Mônica Veloso"). No verso do envelope, também manuscrito, um valor ("12.000,00"). Há outros envelopes com valores diferentes, sugerindo que talvez os pagamentos não fossem feitos com rigor de datas e valores.
Luiz Antonio/Ag. Lar |
O advogado Calmon e sua cliente, Mônica: "Quem fazia os pagamentos era o Cláudio Gontijo" |
O conjunto de evidências complica a situação do senador. Afinal, o lobista confirmou que fazia os pagamentos, mas dizia que o dinheiro não era dele nem da Mendes Júnior. O senador também confirmou que usou os serviços do lobista, mas disse que o dinheiro lhe pertencia, embora tenha afirmado que não podia provar. A jornalista igualmente confirmou que o lobista lhe fazia os pagamentos e garantiu que pegava o dinheiro no escritório da Mendes Júnior. E, agora, aparecem dois contratos de aluguel a provar o papel central do lobista como patrocinador da jornalista que ele não conhecia. Será possível reunir indícios mais eloqüentes de que o lobista tinha uma relação financeira com o senador? Renan Calheiros alegou que não tinha documentos sobre os pagamentos feitos antes de dezembro de 2005 porque só nessa data reconheceu a paternidade de sua filha, oficializando a situação. "Por que ia haver comprovantes de depósito se a relação não era oficial?", disse o senador. É uma explicação curiosa. É precisamente no período da "relação não-oficial" que o senador deveria ter tomado o cuidado de guardar provas dos pagamentos, mas fez o contrário.
Mais curioso ainda é que no dia seguinte à confissão do senador, segundo a qual não tinha provas dos pagamentos anteriores a dezembro de 2005 porque "a relação não era oficial", seu advogado, Eduardo Ferrão, veio a público desmenti-lo. O advogado entregou à Corregedoria do Senado um maço de documentos e disse que ali estava a comprovação das transações. "Todos os recursos, absolutamente todos, e não há exceção, têm sua fonte definida nesses extratos", disse o advogado. Ficou a dúvida: afinal, sendo a relação "não-oficial", os pagamentos podiam ou não ter comprovantes? As contradições entre o senador e seu advogado talvez se expliquem na análise dos extratos. Suspeita-se que Renan, sabendo que quem fazia os pagamentos era o lobista, foi logo dizendo que não tinha prova. Seu advogado, porém, pode ter examinado os extratos bancários do senador anteriores a dezembro de 2005 e encontrado ali saques de valores que, numa conta de chegar, poderiam se encaixar na versão de que eram destinados a pagamentos à jornalista. Parece que nem o senador tinha pensado nisso antes.
Cristiano Mariz | |
O APARTAMENTO
|
Em seu discurso, Renan, além de silenciar sobre o que interessa, que é a origem do dinheiro, falou sobre o que não interessa, que é sua relação pessoal com a jornalista e sua filha. Disse que pagou 8.000 reais por mês de "assistência à gestante" (mas não precisou o período) e que, de dezembro de 2005 em diante, pagou pensão de 3.000 reais (mas não explicou o motivo da redução no valor). Com a intenção de aparecer como vítima da violação de sua privacidade, e apresentando-se na figura de pai zeloso, contou que criou um fundo de 100.000 reais para assegurar o futuro educacional de sua filha, a quem tratou o tempo todo como "a beneficiária" e "a criança". Mostrou dois recibos, de 50.000 reais cada um, provando o pagamento. Ninguém queria saber se pagou ou não, mas de onde veio o dinheiro. Com documentos, Renan provou que tinha rendimentos para pagar – mas pagou? No caso dos 100.000 reais, informou que os recursos foram entregues à jornalista em dinheiro vivo. O advogado da jornalista disse que não se tratava de um "fundo educacional", explicação usada nos recibos só para fazer constar. Na verdade, seriam atrasados das pensões não pagas de dezembro de 2005 a julho de 2006. Isso interessa quase nada. O incrível é que, no Senado, ninguém mostrou espanto com a operação. Dinheiro vivo! Em duas malas com 50.000 reais cada uma! Em qualquer delegacia de bairro, uma transação como essa desperta suspeitas. No Senado da nação passou como a norma. Um espanto!
Ana Araujo | |
O FLAT |
O carnê do IPTU do flat 2018, que sempre foi do lobista e era usado pelo senador |
Cláudio Gontigo tem 52 anos, formou-se em administração de empresas e trabalha há quinze anos na Mendes Júnior. Separado, dois filhos, vive num flat no Blue Tree, um dos melhores hotéis de Brasília. Como lobista da Mendes Júnior, encarregado de defender os interesses da empreiteira junto ao governo, tem sido fiel ao senador Renan Calheiros nas horas mais difíceis. Em agosto de 2004, quando Mônica passou a temer por sua segurança e de sua filha, então recém-nascida, depois que seu automóvel foi alvejado por um tiro, foi Cláudio Gontijo quem, a pedido do senador, mais uma vez se ocupou de pagar por serviços a Mônica. O contrato de segurança foi feito com a empresa Artec, que, apesar de se classificar como "construtora", controla uma empresa de segurança. Custava 2.800 reais por mês. Mônica assinou o contrato, mas quem bancava a conta era o lobista. "O Claudinho não tem nada a ver com isso, nem sabia que ele era amigo dela", diz Mauro Lacerda, diretor da Artec e amigo de Cláudio Gontijo, o "Claudinho". Amigo dela não é mesmo. Era apenas patrocinador, a pedido de Renan. Em seu discurso de defesa no Senado, Renan não fez referência ao contrato de segurança. Em vez disso, disse, sempre, que recorreu a Gontijo porque são amigos há mais de vinte anos e desejava manter tudo sob discrição. Não explicou por que um lobista lidando com dinheiro vivo em envelopes entregues na sede de uma grande empresa seria um movimento mais discreto do que fazer uma simples transferência bancária pela internet.
Ana Araujo |
Obras no Porto de Maceió, para as quais o senador Renan fez emendas de mais de 13 milhões de reais: trabalho da Mendes Junior |
O senador e o lobista são mais que velhos conhecidos. A relação deles tem mais jeito de sociedade do que de amizade. VEJA obteve provas documentais sobre uma transação. Em 2002, em sua declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral, Renan informou que era proprietário do flat de número 1014 no mesmo hotel Blue Tree, em Brasília. O empreendimento foi construído pela empresa Paulo Octavio. Uma certidão obtida em cartório mostra que o flat 1014 pertence ao lobista Cláudio Gontijo desde 19 de maio do ano passado. O aspecto misterioso, interessante é que, pelos documentos de cartório, a empreiteira vendeu o flat diretamente ao lobista, por 183.000 reais. Isso significa que Renan não chegou a colocar o imóvel em seu nome e, para efeitos oficiais, a venda foi diretamente da construtora para o lobista. Aparentemente, não há irregularidade na transação. O negócio só mostra que a relação entre o senador e o lobista não se limitava a laços de amizade, mas chegava ao mundo das transações imobiliárias. Tanto que o senador, em vez de usar seu próprio flat no Blue Tree, o de número 1014, preferia ficar no flat do lobista, de número 2018. Sobre o uso do flat de Cláudio Gontijo, Renan silenciou.
Ed Ferreira/AE |
O corregedor Romeu Tuma: "Eu não quero condená-lo" |
Já havia suspeita de que a Mendes Júnior pudesse ter se beneficiado da proximidade entre o senador e o lobista, sobretudo porque a empreiteira tem contratos com Infraero, Eletrobrás e Petrobras – três estatais nas quais o senador tem influência. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo descobriu um laço mais consistente. Em 2004 e 2005, o senador apresentou três emendas ao Orçamento destinando um total de 13,2 milhões de reais para a construção de um cais para contêineres no Porto de Maceió. A obra é de responsabilidade da Mendes Júnior, mas estava parada desde 2001, por irregularidades constatadas em auditorias do Tribunal de Contas da União. Mesmo assim, o senador achou que devia despachar dinheiro para lá. Conseguiu aprovar 1 milhão de reais. A explicação do senador é que continuará lutando, com todas as suas forças, para ajudar o Brasil e Alagoas. Talvez possa, talvez não. No Senado, na semana passada, a disposição de proteger Renan era evidente. O corregedor, Romeu Tuma, chegou a dizer que não gostaria de puni-lo. "Eu não quero condená-lo, quero absolvê-lo, mas quero ter a certeza de que ele não vai ser pego na primeira esquina." O desafio é saber onde fica a primeira esquina do senador Renan Calheiros.
Com reportagem de Ricardo Brito