A Colômbia ousou enfrentar a violência urbana e se armou com o essencial: decisão política, seriedade e continuidade |
NOS ÚLTIMOS cinco anos, uma mudança radical ocorreu nas duas principais cidades da Colômbia, Bogotá e Medellín. Antes conflagradas e aparentemente sem saída ante a insegurança, reduziram expressivamente os índices de criminalidade e investiram na promoção da paz a partir de uma firme decisão.
Integramos missão oficial de parlamentares que foi à Colômbia conhecer programas da área de segurança. Com todo o cuidado para não mistificá-los, permite-se concluir que há muitas lições a tirar da experiência colombiana e, mesmo considerando as diferenças entre os países, não faria mal ao Brasil dedicar olhar mais atento ao que fazem nossos vizinhos.
O que primeiro impressiona é a redução nos índices de criminalidade. A taxa de homicídios em Medellín, que em 1991 chegou a 381/100 mil habitantes, caiu em 2006 para 28/100 mil. São mais de 8.000 vidas poupadas.
O ponto de partida foi o fundo do poço ao qual a Colômbia chegou no fim do século passado. Acuados pela insegurança, governo e sociedade passaram à ação, rompendo com o ciclo natural da violência e agindo para que os jovens, especialmente, deixassem de ver as atividades criminosas como alternativa de vida.
Em Medellín, o processo começou em 1993, com a criação de uma oficina de paz e convivência. Recursos do BID e da prefeitura financiaram um programa que inclui acordos de paz com milícias e pactos de convivência com grupos violentos de bairros onde a polícia não ousava entrar. São jovens cooptados pelo narcotráfico, pela guerrilha ou por grupos paramilitares que, aos poucos, vão sendo "desmobilizados", na expressão local.
O dia em que o primeiro desses grupos depôs as armas teve caráter de data cívica na Colômbia. Era um recomeço, um passo simbólico para a recuperação do orgulho colombiano.
O esforço para promover o retorno dos "desmobilizados" à vida civil e à legalidade é suportado por uma estrutura que inclui educação, assistência psicossocial e inserção no mercado de trabalho. É um processo coordenado pelo governo central, com ativa participação do município.
Paralelamente, ocorre um programa de urbanização de áreas degradadas. Regiões periféricas onde o Estado se ausentou por muito tempo passaram por transformações impressionantes, com a extensão de modernos sistemas de transporte, a criação de pontos de encontro para a comunidade, a instalação de casas de Justiça e a construção de calçadas e alamedas que favorecem a convivência. Além disso, há programas de microcrédito para financiar pequenos negócios.
O policiamento ostensivo é outro pilar. Na Colômbia, há uma polícia única, subordinada ao governo central, com efetivo de 400 mil. O Exército, com 300 mil integrantes, atua no combate ao narcotráfico.
A população aceita as revistas a que está sujeita a qualquer hora e em qualquer lugar e as medidas restritivas ao funcionamento de bares e porte de armas. Isso reforça a sensação de segurança nas ruas das grandes cidades, onde até há pouco tempo todos circulavam com medo e sem a certeza de que voltariam para casa vivos.
Há ações polêmicas, como a extradição de mais de 400 colombianos aos EUA para responder a processos e cumprir penas. E também forte investimento em tecnologia. Um sistema de georreferenciamento dá confiabilidade aos dados. Agentes comunitários, taxistas e seguranças privados contribuem para alimentar o sistema de informações. No total, a Colômbia investe em segurança cerca de 4,5% do PIB, e recebe recursos externos, como dos EUA, que enviam US$ 600 milhões/ano.
Mas o que mais chama a atenção é a determinação de subtrair o caráter ideológico e dar permanência ao combate ao crime. Em Medellín, o programa "Paz e Reconciliação" ganhou status de permanente no ano passado, de forma a garantir que transcenda governos e não fique sujeito a situações conjunturais. Registre-se também o surgimento de novas lideranças, nascidas fora do eixo liberais-conservadores que há anos domina a política nacional, destacando-se os prefeitos de Bogotá e Medellín, que são lideranças nacionais.
A Colômbia tem em relação ao Brasil diferenças que vão além do tamanho e do perfil econômico. É grande exportador de entorpecentes, mas não grande consumidor. Ressalvadas as diferenças, a lição que nos oferece é a determinação para enfrentar um problema que vinha minando as estruturas sociais. A Colômbia ousou enfrentar a violência urbana e se armou com o essencial: decisão política, seriedade e continuidade.