Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 04, 2007

A volta do 'participacionismo'


editorial
O Estado de S. Paulo
4/1/2007

Derrotado nas eleições para a Prefeitura da capital e para o governo estadual, o PT está ressuscitando em São Paulo os antigos métodos que tanto utilizou no passado para dificultar e até inviabilizar o exercício do poder pelos partidos adversários. Um desses expedientes é a defesa de eleições diretas para cargos de chefia nos diferentes órgãos da administração pública. Conhecida pelo nome de “participacionismo democrático”, a tática permite ao PT mobilizar filiados para controlar alguns desses cargos, quebrando com isso a cadeia de comando em setores estratégicos da máquina governamental.

O melhor exemplo de que o “participacionismo democrático” está de volta é o projeto que o PT apresentou recentemente na Assembléia, determinando que os diretores da rede pública de ensino sejam escolhidos por pais e alunos mediante eleições diretas. O autor da proposta é o deputado Enio Tatto, que pertence ao grupo da ex-prefeita Marta Suplicy e integra uma família de notórios políticos profissionais. Para Tatto, o voto direto na escolha dos diretores de escola “fortalece a democracia”.

Segundo o projeto, que é apoiado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), duas entidades vinculadas ao PT, os candidatos devem pertencer aos quadros de servidores da rede estadual e trabalhar há três anos na escola que pretendem dirigir. “A gestão democrática compreende a participação efetiva da comunidade nos destinos das escolas, com poder de decisão na elaboração dos projetos político-pedagógicos e no controle efetivo dos recursos a serem aplicados nas unidades escolares. A eleição direta para diretores deve resultar de um processo de amadurecimento coletivo da comunidade escolar e de seu entorno”, diz Carlos Ramiro de Castro, presidente da Apeoesp.

Esse palavreado “politicamente correto”, contudo, encerra o risco de um enorme retrocesso em matéria de política educacional. A começar pelo fato de que a “gestão democrática do sistema escolar” e as campanhas eleitorais junto à “comunidade escolar e seu entorno” dela decorrentes, além de abrir caminho para a demagogia, para o populismo, para a troca de favores e para barganhas espúrias, podem criar conflitos políticos e ideológicos entre professores, comprometendo o funcionamento da escola e a qualidade do ensino.

Atualmente, o que prevalece na escolha dos 5.374 diretores de escolas da rede paulista é o reconhecimento objetivo da competência dos candidatos, mediante concurso público de provas e títulos. Para concorrer, os aspirantes a diretor têm de ser formados em pedagogia e trabalhar há oito anos no magistério. A avaliação do mérito é o único método que propicia aos educadores mais preparados ascender a cargos de direção, sem precisar fazer concessões ideológicas e se envolver em acordos políticos.

Ao defender a eleição direta de diretores de escolas, por pais e alunos, os defensores do projeto do deputado Enio Tatto alegam que ela hoje é adotada por vários municípios e Estados, tendo apresentado resultados positivos na melhoria de qualidade da gestão escolar e na redução dos índices de violência nas escolas. No entanto, não há levantamentos confiáveis comprovando o sucesso dessa experiência. Ao contrário, as poucas avaliações já realizadas foram desfavoráveis ao sistema.

Na década de 80, a Prefeitura Municipal de São Paulo autorizou a realização de eleições diretas para a escolha dos diretores da rede escolar por um curto período de tempo, enquanto aguardava o início dos concursos públicos. “Raramente vi eleições em que foi levada em conta a qualidade do trabalho”, afirma a consultora pedagógica e ex-diretora de escola pública Ângela de Oliveira Mello. A secretária municipal de Educação na época, a educadora Guiomar Namo de Mello, tem a mesma opinião. “São Paulo está à frente de todo o Brasil porque tem concurso público para diretor. Não pode retroceder”, diz ela.

O projeto do PT de substituição da meritocracia pelo “participacionismo democrático”, na escolha dos diretores das escolas estaduais, cheira a oportunismo, demagogia e segundas intenções. O melhor destino que a Assembléia poderá dar a ele é a lata do lixo.

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